Em momento de dificuldades econômicas, quais são os
instrumentos para evitar a falência?
Ao que parece, o país caminha para uma recuperação
econômica, ainda que gradativa e lenta. A crise sanitária ainda prevalece,
demandando muitos cuidados e atenção de todos, mas a reabertura dos
estabelecimentos já gera um retorno mais contundente da atividade econômica.
Nesse sentido, é propício falar em uma questão que pode
servir de fôlego para a atividade empresária que enfrentou, enfrenta e ainda
enfrentará muitas dificuldades financeiras e organizacionais.
Em um cenário não muito distante, empresas com um passivo
superior ao ativo, isto é, com dívidas em maior monta do que o patrimônio,
tinham apenas duas saídas, a falência ou a concordata.
O processo falimentar se presta à reunião patrimonial e
organização dos bens para o pagamento dos credores, que é feito conforme classe
prioridade legais, conforme a Lei 11.101/2005:
Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à
seguinte ordem:
I - os créditos derivados da legislação do trabalho,
limitados a 150 salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de
trabalho;
II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem
gravado;
III - créditos tributários, independentemente da sua natureza
e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;
IV - créditos com privilégio especial, a saber:
V - créditos com privilégio geral, a saber:
Já a concordata servia para poucas empresas capazes de
demonstrar uma real e significativa chance de recuperação. E a autorização da
concordata dependia do magistrado, com amplos poderes de análise, o que podia
significar um grau de subjetivismo muito grande.
Em 2005, a Lei de Falências foi substituída pela Lei de
Recuperação Judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade
empresária. A nomenclatura já é capaz de traduzir a mudança de perspectiva
legal.
E isso se deu em razão da inegável importância de se buscar
a sobrevivência empresarial, visto que gera empregos e paga tributos; fatores
que inegavelmente insere a atividade empresária em uma conotação social.
Trata-se da função social da empresa.
Assim, antes da decretação da falência, é possível e
recomendável, a busca da recuperação da empresa, de maneira a lhe conferir um
fôlego suficiente para reorganização e retorno à geração de valor e resultados.
Sem a pecha negativa da falência, a recuperação judicial, quando efetivada,
traduz em ganhos a todos, empresários, empregados, Poder Público e sociedade.
Conforme aponta artigo do doutor Caio Mário Trivellato
Seabra Filho, Linhas gerais sobre a recuperação judicial:
Em primeiro lugar, a preservação da empresa é que deve ser
levada em conta: a atividade econômica necessita ser preservada quando
possível, haja vista a série de repercussões sociais, como geração de empregos,
renda, produtos. Não bastasse isso, o desmantelamento da empresa promove a
perda dos ativos intangíveis, como ponto comercial, know-how,
fornecedores, marcas, clientela, aviamento, entre outros.
Trata-se de instituto jurídico que fornece ferramentas que
permitam a recuperação empresarial, facilitando e fomentando a negociação e o
planejamento de reerguimento da empresa, de maneira conjunta com os credores e
por meio de um processo honesto e transparente.
É publicizado um plano de recuperação, submetido
posteriormente à votação dos credores e, quando aprovado, conforme quórum
legal, é implementado de maneira a se suspender eventuais bloqueios
patrimoniais e ações judiciais capazes de interferir no caixa e no capital de
giro.
Existe a possibilidade de se realizar a recuperação de forma
extrajudicial, sem a necessidade de instauração de um processo judicial,
conforme explanado pela doutora Raila Bastos de Oliveira em O instituto da recuperação extrajudicial:
Previsto nos artigos 161 a 167 da Lei de Falência, a
recuperação extrajudicial é um instituto que visa a reestruturação das dívidas
da empresa por meio de um acordo extrajudicial firmado com os credores. Neste
acordo, a empresa na qual suas despesas superem as receitas e que não esteja honrando
seus compromissos na data do vencimento, poderá propor aos seus credores um
plano de recuperação para a quitação de dívidas que, após homologado, substitui
as negociações firmadas anteriormente, como valores, prazos e cláusulas
contratuais, vinculando-os às novas regras estabelecidas.
Por óbvio, em tempos de pandemia, o instituto poderá ser
muito utilizado. E existe uma proposta legislativa que visa regular esse
período específico e auxiliar ainda mais a recuperação judicial.
A análise é feita pelo especialista Mário Augusto de Araújo
Luzzi Júnior no texto Uma vacina para as empresas na pandemia?
Visando atenuar tal cenário, a Câmara dos Deputados aprovou
o Projeto de Lei 1397/20, do deputado Hugo Leal (PSD-RJ), que cria regras
transitórias para empresas em recuperação judicial e também para tentar evitar
que outras empresas em dificuldades cheguem a esse ponto, antecedente à
falência. A proposta está aguardando votação no Senado.
O projeto cria o Sistema de Prevenção à Insolvência,
aplicável a qualquer devedor, seja empresário individual, pessoa jurídica de
direito privado, produtor rural ou profissional autônomo. Nesse tempo, o
devedor e seus credores poderão buscar, de forma extrajudicial e direta,
renegociar suas obrigações levando em consideração os impactos econômicos e
financeiros causados pela pandemia da Covid-19.
Em suma, os movimentos empresariais devem ser devidamente
planejados, de maneira a se utilizar das ferramentas legais disponíveis, com o
objetivo de se recuperar e auxiliar a retomada de toda a economia.
Falência, não é o único caminho...ainda bem!
Fonte: Dom Total