Considerado fundamental para a sobrevivência e o
funcionamento das empresas nessa pandemia, o crédito oficial chegou tarde,
principalmente para as 7,4 milhões de micro e pequenas firmas, as mais
vulneráveis. O atraso teria sido maior se não fosse a intervenção do Senado,
que conseguiu em pouco tempo aprovar o apoio creditício apontado como o mais
bem-sucedido desde que a crise provocada pelo coronavírus se instalou no país.
Entre a aprovação do decreto legislativo que reconheceu o estado
de calamidade pública no Brasil, no dia 20 de março, e a Lei 13.999 que instituiu o Programa Nacional de Apoio às Micro e Empresas de Pequeno
Porte (Pronampe), em 18 de maio, foram quase dois meses. Nesse
intervalo, o governo lançou mão de um outro programa que não decolou.
No início de abril, a Medida Provisória 944, com recursos
federais de R$ 34 bilhões e previsão de outros R$ 6 bilhões das instituições
financeiras, criou o Programa
Emergencial de Suporte a Empregos (Pese) para ajudar a financiar o
pagamento da folha de salários de empresas com faturamento bruto entre R$ 360
mil e R$ 10 milhões anuais.
Os resultados foram pífios para ajudar a estancar o
crescente desemprego. Apenas 113.383 empresas foram atendidas e o total
financiado estacionou na faixa de R$ 4,5 bilhões. O governo reconheceu o
fracasso do programa. No último dia 19 de agosto, foi sancionada uma nova
versão do Pese, a Lei 14.043, que corrige falhas da primeira fase e
promete obter melhor aceitação.
Em compensação, os números do Pronampe, instituído pelo
projeto de autoria do senador Jorginho Mello (PL-SC) foram animadores. Voltado
principalmente para auxiliar as empresas no seu capital de giro, o programa
emprestou em pouco tempo R$ 18,7 bilhões, incluindo a participação dos bancos,
e dessa vez englobou os microempreendimentos.
Mostrou que sem mecanismos eficazes de garantia — a maior
parte do risco nos empréstimos é bancada pelo Fundo de Garantia de Operações
(FGO), administrado pelo Banco do Brasil — não há como socorrer os empregadores
em situação de penúria com a crise sanitária. Mesmo que se ofereça crédito a
juros bem baixos e atraentes. No caso do Pronampe, além da garantia, os juros
para o tomador são de 1,25% ao ano mais a variação da taxa básica da economia,
a Selic, atualmente na faixa de 2% ao ano.
— O Congresso reconhece que a única linha de crédito que
chegou na ponta foi o Pronampe. Precisamos cuidar dele para que o emprego
volte, para que os micros e os pequenos empresários tenham coragem de
empreender e não desapareçam do mercado — ressalta Jorginho Mello, que preside
a Frente Parlamentar Mista da Micro e Pequena Empresa.
De fato, o sucesso do programa também é reconhecido pelo
governo, como tem afirmado o ministro da Economia, Paulo Guedes, em seus
pronunciamentos. Para se ter ideia, uma única instituição emprestou em menos de
meia hora todo o valor que obteve para os seus clientes. Alguns bancos privados
nem sequer conseguiram operar com a nova modalidade por falta de recursos. O
sinal foi claro: os R$ 15,9 bilhões injetados pelo Tesouro Nacional no FGO eram
insuficientes para ajudar as micro e as pequenas empresas a manter os seus
negócios em funcionamento.
Reforço
Tanto Jorginho Mello quanto a senadora Kátia Abreu (PP-TO),
relatora do PL 1.282/2020, que criou o Pronampe, foram em busca
de novos recursos, ajudados por outros parlamentares. Conseguiram convencer o
governo a destinar mais R$ 12 bilhões ao FGO, o que ficou sacramentado na nova
versão do Pese. O dinheiro está começando a ser emprestado. Mas já se sabe de
antemão que ainda é muito pouco.
— As micro e as pequenas empresas empregam nada menos que 18
milhões de pessoas. Com esse reforço, apenas 5,5% delas serão atendidas.
Precisamos socorrer no mínimo 30% desses empreendimentos para ajudar na
sustentação dos negócios e, consequentemente, dos empregos — estima a senadora,
em entrevista à Agência Senado.
Kátia Abreu diz que, tão logo os recursos sejam aplicados,
ela e outros senadores devem voltar a pressionar o governo por mais dinheiro
para o Pronampe. O argumento é contundente. Sem ajuda a essas empresas, que
representam nada menos do que 27% do PIB nacional, muitas delas irão
desaparecer provocando aumento do desemprego e mais pressão por recursos do
auxílio emergencial.
A senadora lembra que essa busca pelo auxílio oficial não
será somente dos milhões de brasileiros que vão perder seus empregos, mas
também dos pequenos empresários que perderem seus negócios. Em maio, ela
apresentou o projeto de lei 2.593/2020 que prorroga o auxílio
emergencial de R$ 600 até o final do ano. Cita na justificativa do projeto que
o aumento do desemprego e a queda da renda nos próximos meses pode elevar o
número dos requerentes da ajuda oficial dos cerca de 64 milhões atuais para 80
milhões de pessoas, conforme estimativas da Instituição Fiscal Independente
(IFI).
Baixa Alavancagem
O presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (Sebrae), Carlos Melles, ex-deputado que foi ministro do
Esporte e Turismo no governo de Fernando Henrique, diz que o acesso das
pequenas empresas ao crédito não é fácil no mundo todo, mas aqui é quase
impossível. Daí a importância de uma linha como o Pronampe, com um desenho,
segundo ele, que pode ser comparado ao bem-sucedido programa de financiamento
da agricultura familiar, o Pronaf.
Apesar do êxito, Melles informa que o Pronampe requer
aperfeiçoamentos. Um dos maiores entraves é o regulamento do FGO, que restringe
a chamada alavancagem dos recursos. Ou seja, para cada R$ 1 colocado pelo
Tesouro no Fundo, os bancos emprestam R$ 1,176, considerando os limites e os
riscos da operação. Se o regulamento fosse alterado, seria possível emprestar cerca
de R$ 5, pelos cálculos de Melles.
O trabalho de monitoramento do crédito, intitulado
Emprestômetro, realizado pelo Sebrae, com ajuda do Banco do Brasil, outras
áreas do governo e participação da assessoria da senadora, estima que foram
concedidos apenas R$ 36,1 bilhões para socorrer as micro e as pequenas empresas
durante a atual crise, enquanto a demanda projetada é cerca de R$ 200 bilhões.
— Se o regulamento do Pronampe for modificado, na forma como
propomos, os recursos federais de R$ 27,9 bilhões proporcionariam uma oferta de
crédito de quase R$ 140 bilhões, o que já representaria um grande avanço diante
das atuais necessidades — avalia Melles.
Essa alteração não precisa passar pelo Congresso. Mas
precisa do apoio dos parlamentares para que ela seja agilizada nas negociações
entre o Sebrae e o Ministério da Economia. O senador Jorginho Mello já
sinalizou que encampou a reivindicação.
— Nós precisamos convencer os bancos de que eles precisam
aumentar sua participação e não ficar limitados ao FGO. Acho absurdo numa crise
como essa os bancos não levarem em consideração as dificuldades que os seus
clientes estão enfrentando — avalia o senador.
Acesso ao crédito
Os dados do Banco Central mostram que houve um crescimento
significativo nas linhas de crédito voltadas para as pessoas jurídicas a partir
de abril. No entanto, o crédito fluiu para as grandes empresas, com melhores
condições de oferecer garantias e risco reduzido aos bancos. Segundo o analista
da IFI, que acompanha a área de crédito, Alexandre Andrade, sem acesso a fontes
alternativas de financiamento, como empréstimos externos e captação de recursos
no mercado de capitais, por meio de emissão de debêntures, por exemplo, os
grandes tomadores procuraram o crédito bancário principalmente para o seu capital
de giro.
Outra dificuldade dos empresários de menor porte foi que a
linha de crédito desenhada para o atendimento emergencial, o Pese, não atraiu
nem os bancos nem a sua clientela. O analista da IFI explica que o governo
demorou a perceber que havia problema com as garantias exigidas na concessão do
crédito, especialmente para aqueles cujo negócio foi praticamente paralisado
durante a pandemia, como academias, bares e restaurantes, hotéis, empresas da
área de cultura, entretenimento e turismo.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) alertou o governo
e o Congresso para esse entrave. Segundo o gerente executivo de economia da
entidade, Renato Fonseca, os Estados Unidos, por exemplo, criaram linha de
crédito emergencial para as pequenas e as médias empresas, em que 95% do risco
são bancados pelo banco central norte-americano, o FED. Fonseca diz que a CNI
apresentou proposta semelhante.
Além disso, as empresas ficaram receosas com o tempo de
estabilidade aos funcionários. O gerente de políticas públicas do Sebrae, Silas
Santiago, diz que houve entendimento generalizado de que elas teriam que manter
seus empregados até 60 dias após o pagamento do empréstimo. Agora, com a nova
versão do Pese, o texto ficou mais claro. O período de suspensão das demissões sem
justa causa, explica Santiago, é o compreendido entre a data de contratação do
empréstimo até o sexagésimo dia após a liberação dos valores para a empresa.
Maquininhas
Para o gerente do Sebrae, as mudanças nessa segunda fase do
Pese devem tornar o programa mais atraente. Entre elas, Santiago destaca que os
empréstimos podem chegar até 100% da folha de pagamento pelo período de quatro
meses, enquanto na versão anterior era de apenas dois meses. Os recursos também
podem ser usados para o pagamento de verbas rescisórias, desde que a
descontinuidade do contrato de trabalho tenha sido durante a pandemia. O
programa continua sem atender as microempresas. Mas a elevação do limite
superior de R$ 10 milhões para até R$ 50 milhões de faturamento bruto anual vai
beneficiar empresas de médio porte. Os recursos previstos nessa nova versão são
de R$ 20 bilhões, dos quais R$ 17 bilhões de recursos federais.
Outra Medida Provisória, que também virou lei no último dia
19 de agosto (Lei 14.042), foi a MP 975 que instituiu em junho o
Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Peac), no valor de até R$ 20 bilhões
do Fundo Garantidor de Investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). O Tesouro vai liberar os recursos em quatro
parcelas, dependendo da demanda nessa modalidade, que atende empresas com
faturamento bruto entre R$ 360 mil e R$ 300 milhões anuais.
A grande novidade foi a modalidade proposta e aprovada pelo
Congresso: o Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Peac) na modalidade de
garantia de recebíveis, que ficou conhecido como o "programa das
maquininhas". Com recursos federais de R$ 10 bilhões, divididos em duas
parcelas, o programa atende não só os micros e os pequenos empresários, mas
também os microempreendedores individuais (MEIs), que pelos dados da Receita
Federal chegam a 9,8 milhões.
Os empréstimos, que são desburocratizados oferecendo juros
de 6% ao ano com pagamento em 36 meses incluindo carência de seis meses, serão
concedidos até o final do ano. O valor do empréstimo é limitado ao dobro da
média mensal das vendas de bens e serviços, não podendo ultrapassar o teto de
R$ 50 mil por contratante.
Sinais melhores
Os dados coletados pelo Sebrae no final de julho, na sexta
edição de sua pesquisa intitulada O Impacto da Pandemia de Coronavírus nos
Pequenos Negócios, indicam uma situação melhor do que em junho. A interrupção
temporária no funcionamento desses pequenos negócios caiu de 29% para 21% em
julho. O resultado do mês passado foi muito melhor do que em abril, no início
da pandemia, quando 50% dos consultados declararam ter interrompido suas
atividades.
O coordenador da pesquisa, Kennyston Lago, analista do
Sebrae, destaca que os resultados mostram que 76% dos pequenos negócios estavam
funcionando no mês passado, com participação maior das micros e pequenas
empresas (83%) do que dos microempreendedores individuais, os MEIs (72%).
A amostra, com 6.506 entrevistados em todas as unidades da
Federação, reflete, com base nos registros de CNPJ disponibilizados pela
Receita Federal, o que está acontecendo com o universo de 17,2 milhões de
pequenos negócios no país (dos quais 9,8 milhões são MEIs, 6,5 milhões são
micro empresas e 900 mil são empresas de pequeno porte — EPPs). A única
ressalva é que o universo pesquisado pode conter muitas empresas que já não
existem de fato, porque os CNPJs não foram desativados em função da burocracia
brasileira.
Quanto à pesquisa do Sebrae, em si, iniciada no final de
março, apresenta boa margem de confiabilidade. O coordenador explica que se o
questionário for aplicado 100 vezes, o mesmo resultado será confirmado 95
vezes.
No mês passado, houve um aumento pela procura por crédito.
Em abril, eram 5,2 milhões que buscaram empréstimos para os seus negócios. Em
julho, esse número subiu para 9,3 milhões, principalmente de micro e pequenos
empresários. Só que o acesso continua difícil, apesar de ter aumentado o número
de empresas que declararam ter obtido crédito. Os principais motivos são
problemas com o CPF negativado ou com restrições, no caso dos MEIs, e
negativação no Serasa ou no CADIN, este último um banco de dados do governo com
registro de créditos não quitados junto ao setor público federal.
Futuro
Apesar desses indicadores revelarem melhora no ânimo dos
empresários de menor porte para continuar com suas atividades, a situação está
muito longe de mostrar que há um movimento efetivo de retomada dos negócios no
país. A expectativa desses empresários, conforme apurou a pesquisa, é que o
retorno à normalidade só ocorra em julho de 2021.
Diante desse quadro, apesar de o ministro da Economia ter
declarado na cerimônia de assinatura das duas novas leis no Palácio do
Planalto, no último dia 19, que o governo está finalizando a ajuda creditícia
para as empresas, o prolongamento da crise provocada pela pandemia poderá
exigir novas decisões. Essa é uma avaliação não só de vários congressistas como
de entidades empresariais, que continuam negociando outras propostas.
Fonte: Senado