A cessão fiduciária de créditos pode ter por objeto
recebíveis performados (operações já realizadas), ou recebíveis a performar
(prestação de serviços ou vendas a serem realizadas no futuro). Neste contexto,
a legislação de regência admite que a cessão fiduciária tenha por objeto
créditos presentes (recebíveis performados) ou futuros (recebíveis a
performar).
Com esse entendimento, a 1ª Câmara de Direito Empresarial do
Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento ao recurso de um banco e
reformou decisão de primeiro grau proferida em incidente de impugnação de
crédito relativo à recuperação judicial de uma empresa. Foi reconhecida a
validade da cessão fiduciária para que o crédito não fique sujeito ao concurso
de credores, a despeito da não especificação das duplicatas.
A decisão de primeira instância rejeitara a impugnação e
incluía todo o crédito da instituição bancária na classe dos quirografários,
por falta de elementos que permitissem a individualização das duplicatas dadas
em garantia. A empresa recuperanda possui duas operações em aberto com o banco
e, em uma delas, 50% do saldo devedor estaria garantido por cessão fiduciária
de duplicatas, de forma que o valor correspondente seria de natureza
extraconcursal, isto é, fora do concurso de credores.
De acordo com o relator do recurso, desembargador Azuma
Nishi, a questão é de suma importância para o mercado de concessão de crédito.
O relator disse que não há necessidade de identificar os títulos de crédito,
mesmo porque seria impossível no caso em questão, pois são títulos futuros,
sendo válida, portanto, a cessão fiduciária.
"Como exigir, então, que o empresário apresente, desde
logo, a identificação dos títulos se eles ainda não foram emitidos? Apenas com
a realização do negócio subjacente é que os títulos existirão, tal como nas
operações atreladas aos recebíveis de cartões de crédito e débito",
escreveu o magistrado.
Nishi explicou que, de acordo com a Lei 9.514/97, o tomador
do empréstimo cede fiduciariamente ao banco os créditos futuros decorrentes de
sua atividade, e não os títulos representativos de tal crédito. "Seja pela
impossibilidade de especificação dos créditos a performar, seja porque o que se
transfere é o crédito e não as cártulas que o representam, entendo pela
validade da cessão fiduciária", completou.
Um registro contratual da cessão fiduciária de direitos,
afirmou o desembargador, já constitui a garantia do crédito para a instituição
bancária — registro do contrato no Cartório de Registro de Títulos e Documentos
do domicílio do devedor, nos moldes do artigo 1.361, parágrafo 1º, do Código
Civil. "Providenciada tal diligência, os créditos mencionados no contrato,
que vierem a ser titulados pelo devedor fiduciante, serão de propriedade
resolúvel da instituição cessionária", afirmou.
Na hipótese dos autos, segundo o relator, houve o registro
de contrato com previsão de cessão fiduciária de créditos representativos de
duplicatas, cheques e/ou notas promissórias, cumprindo-se a exigência legal
para a constituição do direito real em garantia: "Desnecessário e até
mesmo, em algumas situações, inviável, do ponto de vista prático e econômico, o
registro de todos os documentos que instrumentalizam os direitos creditórios
objeto da cessão fiduciária em garantia".
Dessa forma, Nishi afirmou que, dada a regular constituição
de direito real em garantia de 50% do saldo devedor remanescente do empréstimo,
"razão assiste ao recorrente quanto à necessidade de exclusão do montante
correspondente do concurso de credores". A decisão se deu por maioria de
votos, em julgamento estendido.
Processo 2185642-51.2019.8.26.0000
Fonte: Consultor Jurídico