Quarentena causou represamento de registros de casamentos e
separações em cartórios
Ao contrário do que se pensava, a pandemia do novo
coronavírus não fez os divórcios aumentarem no Brasil —ainda. Números
de todos os cartórios do país mostram que as separações despencaram nos meses
de quarentena, mas já começam a subir.
Os divórcios feitos extrajudicialmente, que não envolvem
discussões sobre filhos nem bens e representam um quinto do total, caíram de 24
mil entre março e junho do ano passado para 16 mil no mesmo período deste ano
(-32%).
Quando se observa os números de cada mês, porém, é possível
ver que uma tendência contrária se aproxima. À medida que o isolamento social
foi se afrouxando e os cartórios foram retomando os atendimentos, os registros
voltaram a crescer, fazendo com que em junho as separações de 2020
ultrapassassem as de 2019.
O mesmo movimento acontece com os casamentos
e uniões estáveis, mas ambos sofreram uma redução ainda maior com relação
ao ano passado (o primeiro caiu 48% e o segundo, 39%) e continuam mais longe de
atingir o nível mensal normal. Os dados incluem relacionamentos homoafetivos.
“O confinamento causou um represamento dos atos jurídicos em
geral nesse período. É muito provável que agora haja um aumento de divórcios
e casamentos”,
diz Ubiratan Guimarães, diretor do Colégio Notarial do Brasil, que reuniu os
dados junto à Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais)
a pedido da Folha.
Foi o que ocorreu em algumas cidades da China em março,
quando a crise estava terminando por lá e apenas começando por aqui. A imprensa
internacional noticiou na época que o município de Xian,
por exemplo, teve alta procura por divórcios, o que causou apreensão em
outros países.
“Essa notícia abalou
alguns casais do mundo inteiro, que ficaram com medo
de serem contaminados pelo vírus da separação, ou da aproximação”, opina a
psicanalista Lúcia Moret, que trabalha com casais e é membro da Sociedade
Brasileira de Psicanálise do Rio.
Assim como muitos, Pedro (o nome foi trocado a pedido) viu a
quarentena apenas confirmar que o relacionamento já não ia bem. Ele e a esposa
se separaram fisicamente em fevereiro, mas com o início do isolamento
resolveram tentar de novo, pelos filhos de 8 meses e 4 anos.
Um mês depois, a desconfiança
de uma traição virou exponencial e ficou difícil até de se concentrar
com o celular dela vibrando durante o duplo home office. “É muito complicado
interagir 24 horas com um clima chato. Brigávamos muito, qualquer coisinha era
pau”, conta.
Ele não teve problemas para montar um novo apartamento e
recomeçar a vida de solteiro depois de 15 anos, mas para outras pessoas esse é
um empecilho que pode ter ajudado a puxar o número de divórcios para baixo nos
últimos meses.
“Muita gente não tinha para onde ir. Como ia achar um novo
lugar para morar no auge da pandemia?”, lembra Natalia Imparato, advogada
especialista em família e sucessões, que aponta também que os fóruns fecharam e
os cartórios funcionaram com restrições no período.
Segundo ela, a busca por seu trabalho aumentou muito em
julho. “Tenho sido muito procurada para revisão de guarda e ajustes. As pessoas
estão revendo os acordos que fizeram em outras situações. E sempre que tem
crise econômica os divórcios tendem a aumentar”, afirma.
Os dados do Google são outro indicador de que pode haver um
“boom” de separações em breve. Buscas relacionadas à palavra divórcio
dispararam nos últimos 90 dias, em relação aos 90 dias anteriores (a empresa
não divulga números absolutos).
"Divórcio online gratuito" cresceu mais de 5.000%
e “divórcio online", 1.100% —apesar disso, Imparato reforça que é
essencial procurar um advogado. Até “divórcio energético” aparece entre as
maiores altas nos últimos 30 dias, na esperança de limpar energias de
relacionamentos do passado.
Para Ubiratan Guimarães, do Colégio Notarial do Brasil,
também contribuiu para o aumento em junho, e deve seguir contribuindo nos
próximos meses, o lançamento recente de uma plataforma que permite a realização
virtual de procurações e atos notariais (divórcios consensuais, inventários,
partilhas, compras, vendas e doações).
“O surgimento do e-Notariado trouxe uma desburocratização muito
grande. Nele, os atos são feitos pelos tabeliães de notas de todo o Brasil por
videoconferência, e as pessoas assinam com um certificado digital, que é
emitido gratuitamente”, explica.
Enquanto o site não era lançado, muitos cartórios tiveram
que dar seu jeito durante a pandemia. O 15º Ofício de Notas na Barra da Tijuca,
na zona oeste do Rio, por exemplo, criou um serviço de drive-thru em que os
funcionários vão até a janela dos carros.
A unidade viu os registros de união estável crescerem de
101, em abril e maio do ano passado, para 153 neste ano. Grande parte buscava
incluir o companheiro no plano de saúde, com medo do coronavírus, e outros
quiseram simplificar o casamento e adiar a cerimônia, segundo uma tabeliã.
Foi o caso do designer Sandro Bueno e da publicitária Helena
Seixo, juntos há quase oito anos. "Não temos certeza do 'estável', mas
temos a certeza da 'união'", brinca Helena.
Para a psicanalista Lúcia Moret, a pandemia trouxe vários
arranjos dentro dos relacionamentos, e também um lado bom. “Temos que
considerar a singularidade de cada caso”, pondera.
“Tenho casais que cada um ficou em um país, com medo dessa
relação intensa, e casais separados que resolveram ficar juntos para cuidar dos
filhos. Houve ainda os que conversaram e procuraram a ajuda de um psicanalista,
e também os que estavam a ponto de se separar e agora estão formalizando a
relação e pensando em filhos”, diz.
Fonte: Folha de São Paulo