A pandemia da Covid-19 faz a curva de contágios e mortes
subir diariamente. Acerca do coronavírus sabe-se pouco, mas há informações
suficientes para deixar as pessoas em alerta: não há uma vacina ou tratamento
específico, preconiza-se o isolamento social como única prevenção, embora sejam
óbvios os graves impactos na economia. Há grupos de risco, entre eles, pessoas
com mais de 60 anos. Esse contexto da Covid-19 traz à tona um aspecto da
cultura local bastante conhecido, especialmente preocupante agora, entre os que
pensam o Direito das Sucessões: a maioria dos brasileiros simplesmente não tem
o hábito de fazer testamentos ou planejamento sucessório.
É comum que se pense: "Quando eu me for, que se
resolvam!". Entretanto, nesse momento, não cabem imprudências, tanto em
relação à saúde quanto ao patrimônio. Inclusive, a pós-pandemia traz cenários
de recessão e dificuldades. Ou seja, não é hora de ser egoísta. Empresas,
sócios, filhos e filhas — biológicos ou socioafetivos — de uma ou mais
relações, pendências financeiras ou dívidas éticas, de consciência. Esse é o
momento de resolvê-las.
Não bastassem as naturais pendências já existentes, a vida
pede para ser vivida, e cada um conforme seus desejos tenta aproveitá-la. Há
quem aposte nos romances tardios. É uma mudança cultural importante,
consequência do prolongamento da vida. Os aplicativos de namoro oferecem a
oportunidade do primeiro contato. Quando tudo dá certo, alguns enamorados
migram para o casamento civil ou a união estável.
Nessa fase da vida, dita o senso comum, com alguma razão,
que ao se decidir pelo casamento civil o melhor é optar pelo regime da
separação total de bens. O artigo 1687 do Código Civil diz
que "estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a
administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente
alienar ou gravar de ônus real". Ou seja, os bens adquiridos por cada
um dos cônjuges, antes e após o casamento, não se comunicam. Os planos que cada
um tinha para si podem ser discutidos, avaliados, reformulados, para que ambos
não se sintam prejudicados.
Já a união estável, também dita o senso comum, não altera a
situação patrimonial anterior à união; na eventual necessidade de partilha de
bens, serão divididos apenas os bens que ambos adquiriram juntos, uma vez que o
regime de bens que rege a união estável é o da comunhão parcial, conforme o
artigo 1725: "Na união estável, salvo contrato escrito entre os
companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da
comunhão parcial de bens".
A questão, entretanto, é que o senso comum falha. E o faz
num contexto nada agradável de pensar: o falecimento de um dos cônjuges ou
companheiros. Nessa hipótese, tanto para os casados sob o regime da separação
total de bens quanto para companheiros em união estável — e não importa se
a união durou um, dois ou cinco anos —, as regras mudam drasticamente. Por
exemplo, no caso da separação total de bens a lei entende que, com o
falecimento de um dos cônjuges, o sobrevivente não pode ficar totalmente
desprovido. O artigo 1829 do Código Civil define que na sucessão legítima o
cônjuge sobrevivente, no regime da separação total, concorre com os filhos, na
falta destes, os pais do cônjuge falecido. E não havendo filhos ou pais, o
cônjuge sobrevivente é o único herdeiro.
Em relação à união estável, o artigo 1790 do Código Civil
estabelecia direitos sucessórios específicos ao companheiro sobrevivente.
Entretanto, esse artigo foi julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) em maio de 2017, por não haver isonomia. Desde então, com o
falecimento de um dos companheiros, os direitos sucessórios do sobrevivente são
os mesmos garantidos pelo casamento civil. Se não foi lavrada uma escritura de
união estável estabelecendo o regime de bens, prevalece o regime da comunhão
parcial. Assim, o companheiro terá direito à metade do patrimônio adquirido na
constância da união, a meação. Mas não fica só nisso. Por conta da decisão do
STF, o companheiro está equiparado ao cônjuge e terá direito à herança dos bens
particulares em concorrência com filhos do de cujus; na falta destes, os
pais e, se não houver filhos ou pais, o companheiro herda a totalidade do
patrimônio. Importante ressaltar que diferentemente do casamento civil, há
necessidade de se comprovar a união estável, tanto no âmbito judicial quanto
extrajudicial.
No ordenamento jurídico brasileiro, as leis de sucessão e
herança preservam os direitos de todos, mas o autor da herança pode e deve se
utilizar de vários instrumentos para dispor de seus bens da maneira que ele
considera ideal, justa. Com seu uso pouco difundido entre os brasileiros, o
planejamento sucessório é o conjunto desses instrumentos; é um recurso
democrático, simples, acessível financeiramente e o único que pode fazer
prevalecer a vontade de quem levou uma vida para construir seu patrimônio.
Fonte: Consultor Jurídico