Diante de uma alteração drástica financeira, é comum
surgirem dúvidas e preocupações em pessoas envolvidas em um vínculo
obrigacional financeiro, como pensão alimentícia, surgindo questionamentos
acerca da possibilidade de suspensão ou alteração dos valores pagos a título de
alimentos, em razão da crise do coronavírus.
É inegável que a paralização ou redução de diversas
atividades profissionais em razão da pandemia de covid-19 impacta direta e
indiretamente a saúde financeira de muitas pessoas, ainda que de formas e
intensidades distintas, sendo certo que os efeitos econômicos do atual momento
serão sentidos muitos meses após a normalização das atividades, o que, sabemos,
ainda está longe de ocorrer.
Dessa forma, diante de uma alteração drástica financeira, é
comum surgirem dúvidas e preocupações em pessoas envolvidas em um vínculo
obrigacional financeiro, como pensão alimentícia, surgindo questionamentos
acerca da possibilidade de suspensão ou alteração dos valores pagos a título de
alimentos, em razão da crise do coronavírus, tendo em vista que o não
cumprimento da obrigação, mesmo que parcial, enseja a propositura de medidas
executórias judiciais drásticas, como penhora de bens e até mesmo prisão,
tratados adiante.
Sobre esse aspecto, inicialmente vale destacar que os
valores fixados a título de pensão alimentícia podem derivar de duas formas: a
primeira é decorrente da autonomia privada das partes (acordo) e a segunda é
decorrente da imposição de uma decisão judicial proferida em ação que discuta
sobre alimentos, seja com base em lei específica (lei 5.478/68),
seja nos autos de outro tipo de ação em que se pleiteie a fixação de pensão
alimentícia.
Em ambos os casos, considera-se que o valor da pensão tenha
sido fixado tendo por base um equilíbrio – razoabilidade e proporcionalidade –
sendo certo que não pode ser modificado por vontade unilateral, ainda que haja
um notório desequilíbrio posterior, havendo a necessidade de se valer de
instrumentos jurídicos adequados para se rediscutir valores já fixados de
pensão alimentícia.
Certamente, a medida mais ágil e menos custosa para
resolução da questão visando a redução dos alimentos (ou a majoração, o que
dificilmente se considera no atual cenário pandêmico) é a proposta de
renegociação extrajudicial por meio de advogado.
Em uma revisão de alimentos extrajudicial, é recomendável
que conste expressamente a razão da proposta do novo valor para pagamento da
pensão, embasada por elementos de provas que justifiquem a adequação,
incluindo, no contexto atual, a comprovação do desequilíbrio econômico
financeiro em razão da crise do coronavírus.
Para a concretização de um acordo extrajudicial, ainda que
temporário, é importante que haja bom senso das partes, que as partes
realmente se pautem pela ética e pela boa-fé objetiva, não deixando de se
utilizar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para se chegar a um
valor que possa ser cumprido pelo alimentante e que simultaneamente não prejudique
o credor dos alimentos.
Ainda, não se pode esquecer que acordos extrajudiciais que
envolvem os interesses de menores ou incapazes devem ser homologados
judicialmente para que sejam válidos como título executivo.
Infelizmente, em função de beligerâncias insuperáveis, a
resolução amigável não é uma possibilidade para todos e, na hipótese de
realmente inexistir consenso entre as partes, a solução que pode ser tomada
para evitar inadimplência e, consequentemente, medidas executórias, é a propositura
de ação revisional de alimentos com pedido liminar, ou, já havendo ação em
curso, a realização de pedido de tutela antecipada incidental, na tentativa de
rápida obtenção de decisão interlocutória fixando alimentos provisórios em
quantia que possa ser cumprida pelo alimentante.
Como é sabido, para fins de arbitramento ou de modificação
de valores da obrigação alimentar, são analisados pelo magistrado três pontos:
(I) as possibilidades financeiras de quem será obrigado ao pagamento dos
alimentos; (II) as necessidades daquele que recebe os alimentos, incluídas
todas as despesas, sejam as essenciais para sobrevivência ou as de manutenção
do padrão de vida; e (III) a proporcionalidade, que diz respeito ao equilíbrio
entre o que o alimentante pode pagar e o que o alimentado necessita.
Em situações como a presente, de pandemia global, o que
justifica a propositura da ação é a redução da possibilidade do alimentante e,
embora as necessidades dos alimentados, via de regra, não tenham se modificado
com a pandemia, deve-se ter em mente que o presente momento é excepcional, e
nessa medida, espera-se a vinda de entendimentos de que as despesas não
essenciais possam ser dispensadas ou reduzidas enquanto perdurarem as dificuldades
econômicas.
Aliás, já há decisões neste sentido, valendo citar um
precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo1, que, ainda no mês de abril, ou
seja, no início das medidas de isolamento relativas à pandemia, reduziu a
obrigação alimentar até o corrente mês de junho, em razão dos impactos econômicos
na atividade profissional da alimentante, causados pelo confinamento social
atualmente vivido.
Superadas as questões relativas às possibilidades de redução
da obrigação alimentar, importa fazer algumas considerações acerca de como a
pandemia tem impactado a execução dos débitos alimentares.
A obrigação de pagar alimentos está prevista no Código de Processo Civil e o meio processual de
cobrança de alimentos devidos pelo alimentante depende do título executivo
formalizado entre alimentante e alimentado.
Deste modo, quando se trata de títulos extrajudiciais, a
cobrança dos alimentos se dá por meio de execução de alimentos, ao passo que
quando se trata de títulos judiciais, a cobrança se dá por meio de cumprimento
de sentença, podendo ambos os casos tramitar sob o rito da penhora e/ou da
prisão.
Com efeito, pela imprescindibilidade do crédito alimentar,
do qual decorre a sobrevivência do alimentado (tratando-se de direito
fundamental), o respectivo inadimplemento pode resultar em medida extrema, qual
seja a prisão civil, prevista na Constituição Federal.
Ocorre que, em razão de o ambiente prisional ser um local
propício à rápida disseminação de doenças contagiosas – como é o caso da atual
pandemia de covid-19 - há justificada preocupação das autoridades públicas em
conter o avanço da doença também nestes locais. Assim, diante das orientações
da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da recomendação 62/20 do Conselho Nacional de Justiça, o Ministro
Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), logo no
início do confinamento, analisou pedido feito pela Defensoria Pública da União
e estendeu os efeitos da decisão que deferiu parcialmente a medida liminar para
determinar o cumprimento das prisões civis por devedores de alimentos em todo o
território nacional, excepcionalmente, em regime domiciliar (PExt no Habeas
Corpus 568.021 - CE (2020/0072810-3)).
Como era de se esperar, referida decisão acabou sendo pauta
de debates, tendo em vista que a prisão civil para o devedor de alimentos é, de
fato, o meio mais ágil de pagamento coercitivo ao alimentando, de modo que a
não aplicação de tal pena da forma comum fatalmente pode privilegiar devedores,
pois a prisão de forma domiciliar não atinge a finalidade pretendida na medida
em que retira seu caráter coercitivo.
Obviamente, os efeitos objetivados pela prisão civil, que,
por sua natureza, deve ser cumprida em regime fechado, ficam prejudicados
quando alterada sua modalidade para regime domiciliar, mormente considerando
que, seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), pessoas de
todos os continentes estão restritas de locomoção, cumprindo o isolamento
social como forma de contenção da disseminação do Coronavírus.
Dessa forma, uma das questões sobre a efetividade da prisão
domiciliar do devedor de alimentos é qual medida alternativa pode ser adotada
como técnica coercitiva a um devedor de alimentos, uma vez que a maioria das
pessoas está com a liberdade cerceada para colaborar no controle da epidemia.
Alguns profissionais atuantes no direito de família
defendem, em debates, o uso da criatividade em defesa do alimentando, como
alternativa à prisão civil, sugerindo pleitear o bloqueio de cartão de crédito
ou a constrição de bens de consumo (internet, TV, aplicativos de entretenimento
como Netflix, Amazon Prime, Globo Play, entre outros) medidas estas que, em
momento como este em que a circulação de pessoas está restrita, podem
substituir as já muito praticadas medidas de constrição de passaporte ou
carteira de habilitação do devedor. Entretanto, ainda não há nenhum precedente
nesse sentido.
No momento, tem-se, também, a possibilidade do pedido de
diferimento da prisão para o período pós pandêmico, uma vez que tal medida
garantiria a aplicabilidade da prisão civil futuramente e, consequentemente,
permitiria ao alimentado atingir a tutela jurisdicional pleiteada, haja vista
que se trata de forma real de coação ao pagamento do débito.
Além da restrição máxima posteriormente à pandemia, há a
possibilidade de converter-se a pena de prisão para a pena de penhora, para
tentar garantir a efetividade da medida, haja vista que o alimentando possui
necessidades basilares que não podem aguardar o fim da pandemia para serem
supridas.
Caso já haja cumprimento de sentença ou execução de
alimentos tramitando sob o rito da penhora, é viável priorizar a celeridade
jurisdicional naqueles autos, enquanto há a suspensão da prisão.
Por fim, para corroborar o entendimento do ministro Paulo de
Tarso Sanseverino, vale destacar que, no último dia 10 de junho, foi promulgada
a lei 14.010/20, entrando em vigor na mesma data, a qual
determina, dentre outras matérias, que a prisão civil por dívida alimentícia
seja cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar até 30 de outubro de
2020, quando se espera que a pandemia e a taxa de transmissibilidade do vírus
estejam controladas.
A repentinidade com a qual a pandemia se espalhou, mudando
drasticamente hábitos, formas de conviver e de gerar renda, exige cautela e
adaptação dos meios jurídicos que visam a mitigação dos prejuízos esperados,
seja para aqueles que dependem dos alimentos para o próprio sustento, seja para
os obrigados a promover esse sustento. De outra parte, muito além das medidas
judiciais, os esforços de cada indivíduo para o estabelecimento de diálogo e
alternativas consensuais, mais do que sempre, mostram-se uma boa ferramenta
para a superação da presente crise.
Fonte: Migalhas