A mera existência de compensação como
forma de pagamento de parcela significativa do preço de um imóvel não é
suficiente para afastar a incidência da Súmula 308 do Superior Tribunal de
Justiça, segundo a qual “a hipoteca firmada entre a construtora e o agente
financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda,
não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.
Com esse entendimento, a 3ª Turma da
corte deu provimento ao recurso de um consumidor e, aplicando a súmula, afastou
a oposição da hipoteca diante dele. O colegiado determinou que o juízo
competente prossiga no julgamento das demais questões do processo, decidindo
acerca da outorga da escritura e do eventual direito da instituição financeira
ao recebimento do saldo remanescente.
No caso, o consumidor assinou contrato
de compra e venda de um apartamento com a construtora e, por meio do
fornecimento de materiais e serviços, pagou 90% do valor do imóvel. A
construtora tinha um registro de hipoteca da unidade junto à instituição
financeira e, em virtude de problemas financeiros, abandonou a obra.
O consumidor moveu ação contra o banco
para desconstituir a hipoteca. Alegou que ainda não foi imitido na
posse nem conseguiu pagar o saldo devedor, por não localizar os
representantes da construtora e não conseguir chegar a acordo com o banco sobre
o pagamento do saldo remanescente.
Em primeira e segunda instâncias, o
pedido foi rejeitado com o argumento de que não se tratava de contrato de
compra e venda, já que o fornecimento de materiais e serviços como forma de
pagamento caracterizava dação em pagamento, sendo inaplicável ao caso a regra
da Súmula 308.
Segundo o ministro Marco Aurélio
Bellizze, relator, é relevante verificar se o caso em debate se refere a
incorporação imobiliária, cuja construção foi financiada e com a unidade
efetivamente negociada entre as partes com o intuito de transferência de
propriedade.
"A teleologia do instituto é tão
somente a proteção dos negócios finais, realizados de boa-fé, sobre os imóveis
construídos ou em construção; a mera existência dessas circunstâncias fáticas é
o que atrai a mitigação da hipoteca no mercado de incorporações imobiliárias."
Para o relator, não há como afastar a
aplicação da súmula com o entendimento de descaracterização da compra e venda.
"É incontroverso que parte significativa do preço foi quitada em razão de
crédito existente previamente e também decorrente da obra. Trata-se, portanto,
do instituto da compensação, e não de dação em pagamento", explicou
Bellizze.
O ministro ressaltou que, ainda que se
referisse à dação em pagamento, "o objeto do contrato não seria a
prestação de garantia, menos ainda a alteração da ordem legal de preferência do
crédito, mas sim de extinção do débito pela transferência da propriedade do
imóvel em si".
A situação fática, segundo o ministro,
evidencia que o objetivo final era a transferência de propriedade do imóvel.
"O fato de o pagamento de parcela significativa do preço para a aquisição
da propriedade não ser em pecúnia (e o pagamento do preço com outros bens não é
raro nesse mercado), além de não implicar em necessária alteração da
tipificação contratual, não é suficiente para afastar a finalidade do negócio
praticado — transferência do título de propriedade".
O relator lembrou que, à época da
edição da Súmula 308, eram corriqueiras demandas decorrentes da aquisição de
imóveis em construção, que, após o pagamento substancial ou mesmo integral do
preço ajustado, não chegavam sequer a integrar o patrimônio do comprador em
razão da execução de hipoteca prévia.
"Nesses casos, entendeu o STJ por
restringir os efeitos da hipoteca em relação ao adquirente, porque as
instituições financeiras, ao financiar obras imobiliárias, tinham pleno e
inequívoco conhecimento da destinação das unidades construídas, qual seja, a
alienação a terceiros. Assim, não seria de se supor que a venda dessas unidades
poderia ser obstaculizada pelo próprio contrato de
financiamento." Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.592.489
Fonte:
ConJur