1
Introdução
O presente artigo tem como finalidade
analisar questões pertinentes à função social das Serventias Extrajudiciais e a
desjudicialização. Os Cartórios extrajudiciais estão presentes em todo o
território nacional, desde as grandes serventias nos grandes centros, até mesmo
nos rincões de nosso País, onde uma única Serventia extrajudicial acumula
diversas competências.
As Serventias extrajudiciais exercem
grande função social no tocante à desburocratização e à desjudicialização, cada
dia mais em pauta. A doutrina e
jurisprudência pátria pouco discutem a respeito dessa função social desempenhada
pelos Cartórios, como exemplos o auxílio ao combate da corrupção e à lavagem de
dinheiro, fiscalizar arrecadação de tributos inerentes à atividade, além de ser
o locus adequado para a promoção da desjudicialização/extrajudicialização.
Vivemos um período de intensa mudança
no ordenamento jurídico e, nesse atual movimento de desjudicialização, as
serventias extrajudiciais estão recebendo grande prestígio.
Desta forma, verificou-se que, diante
do judiciário totalmente abarrotado e da morosidade da justiça cada dia ganhando
mais destaque como óbice à efetivação do acesso à justiça, a função social das
Serventias extrajudiciais no tocante à desjudicialização torna o acesso à
justiça plural, trazendo celeridade e segurança jurídica a procedimentos que
tinham a natureza essencialmente judicial, com esse deslocamento de competência
o legislador “socorreu” o Judiciário e prestigiou a serventias extrajudicias,
demonstrando o local adequado para a promoção da extrajudicialização/desjudicilização.
2 Direito
Notarial e Registral
A atividade desempenhada pelas
Serventias Extrajudiciais, na pessoa de seu titular e de seus colaboradores, em
síntese, tem o condão de conceder publicidade, segurança jurídica, eficácia e
autenticidade aos atos jurídicos, tornando-os “erga omnes” ou, em outras
palavras, ao alcance de todos. A escolha pela via extrajudicial torna os
procedimentos céleres, evitando o acúmulo de processos no Judiciário.
2.1
Espécies de Serventias Extrajudiciais
É indiscutível que, no decorrer dos
séculos, a sociedade vem sofrendo inúmeras metamorfoses, e o direito
brasileiro, em consequência, foi se adequando, e com isso suas instituições
também se transformaram.
O nosso ordenamento jurídico atual comporta
5 (cinco) espécies de serventias extrajudiciais, cada uma delas recebe a sua
atribuição, essas atribuições são totalmente distintas e não devem ser
confundidas. Nas grandes cidades o número de Cartórios é maior, sendo assim,
existe a necessidade de se criar diversos ofícios com uma mesma atribuição. No
entanto, nas cidades com menor densidade populacional é corriqueiro um único
Cartório acumular diversas competências.
Além da Constituição que aborda a
temática dos Cartórios, existe a lei orgânica dos Notários e Registradores, lei
8.935/94. O mais recente das espécies de Cartórios foi o Cartório de Protesto,
instituído com a lei 9.492/97.
A primeira espécie de Cartório é
aquela em que temos registrado nosso primeiro ato: o Cartório de Registro Civil
é o responsável pelos atos que afetam a relação jurídica entre diferentes
cidadãos. Assim, é possível registrar nascimento, casamento, óbito, entre
outros. É importante frisar que qualquer alteração que ocorrer, durante o tempo,
nesses atos também é de competência dessa Serventia, como, por exemplo, o
registro do divórcio, de mudanças de nome ou de sobrenome, dentre outros.
Em segundo lugar, o Cartório de Notas,
que talvez seja o mais utilizado pela população, devido a atribuição que
recebe. O Cartório de Notas é responsável por trazer fé pública aos documentos,
com garantia de publicidade, segurança e eficácia jurídica. Nele é possível
realizar escrituras públicas, testamentos, atas notariais, reconhecimento de
firmas e demais serviços.
A terceira espécie é o Cartório de Registro
de Imóveis, que é competente para arquivar todo o histórico dos imóveis da
região na qual se encontra, fornecendo publicidade, autenticidade e segurança
sobre as informações constantes em seu arquivo. A ele é atribuída a
responsabilidade dos atos de registro do imóvel, de averbações relativas ao bem
imóvel, de conhecer do pedido de Usucapião Extrajudicial.
De igual importância, a quarta espécie,
o Cartório de Protesto tem como atribuição dar publicidade a inadimplência de
uma obrigação. É o local onde o credor deve se dirigir para pleitear o
recebimento de dívidas oriundas de cheques, notas promissórias, duplicatas,
dentre outros.
Por fim e não menos importante, a
quinta espécie é o Cartório de Registro de Títulos e Documentos, cujos os
documentos que não foram atribuídos competência para as outras espécies de
Cartórios são todos registrados. Nesse sentido, podem ser registrados músicas,
notificações extrajudiciais, contratos, atos constitutivos, entre outros
serviços.
2.2
O desenvolvimento histórico das Serventias Extrajudiciais no Brasil
A origem dos Cartórios no Brasil advém
do período colonial, logo no início da colonização com as capitanias
hereditárias, no qual os agraciados com porções de terras foram incumbidos de nomear
Tabeliães.
Passando ainda pelas “sesmarias” que
eram levadas a registro perante as paroquias, associadas ao estado em caráter
oficial. A competência da igreja católica, na figura do titular da paroquia, ao
praticar o ato do registro era semelhante a competência dos oficiais de
registro nos dias de hoje.
O tempo passou e o sistema continuava
aparentemente o mesmo, apenas com poucas alterações. A aquisição de terras se
encontrava desordenada, e a necessidade de proceder o registro dos imóveis
rurais e trazer segurança jurídica a essas transações levou os legisladores a,
no ano de 1850, instituir a lei 601/1850 (lei de terras), posteriormente regulamentada
pelo decreto 1318/1854: o chamado “registro do vigário” ou “registro paroquial”
legitimou a aquisição de imóveis pela posse, distinguindo do domínio público
todas as posses levadas ao devido registro imobiliário.
O possuidor deveria registrar o
imóvel, a competência para proceder ao registro era o local onde situava o bem,
a mesma aplicada nos dias de hoje. As terras não levadas a registro eram
consideradas devolutas e ficavam incorporadas ao patrimônio das Províncias.
Em razão do decreto 1318/1854, começou
a ser exigido contrato para transmissão ou registro de imóveis, para os atos “inter
vivos”, quando o imóvel apresentasse valor superior a 200 mil réis era exigida
a escritura pública lavrada junto ao Tabelião de Notas. Este é outro ponto que
muito se assemelha aos dias atuais, em que somente é obrigatória a feitura de
escritura pública de compra e venda quando o valor do imóvel for superior a 30
(trinta) salários mínimos.
Novamente transcorreu um longo prazo
sem qualquer alteração significativa, e, no ano de 1964, entrou em vigor a lei
1.237/64 que instituiu o registro geral, passando a submeter ao mesmo todos os
direitos reais sobre os bens imóveis, substituindo a tradição do imóvel como
meio de transferência da propriedade para a transcrição em registro público, a
medida concedeu ainda mais segurança ao negócio jurídico realizado.
Todo esse desenvolvimento histórico
desagua nos dias de hoje, em que a titularidade das serventias extrajudiciais é
exercida por profissionais submetidos a concurso público de provas e títulos.
2.3
Atividade Notarial e Registral após o advento da Constituição de 1988
A jornada das serventias
extrajudiciais no País se confunde com nossa história e identidade. O clamor
social e interesse por maior transparência na delegação dos cargos de notários
e registradores fez com que a maior mudança na atividade ocorresse com o advento
da Constituição Federal de 1988.
A mudança foi significativa e
acompanhou a tendência da época. Em período pretérito à entrada em vigor da
Constituição vigente, os notários e registradores eram nomeados pelos
Governadores dos Estados para exercerem a titularidade da serventia.
Esse tipo de nomeação por vezes
privilegiava poucos e recebia diversas críticas. Ainda, os Cartórios eram
literalmente passados por meio de herança, esse fato se assemelhava muito a
privilégios da época colonial, o que não tinha espaço no ordenamento jurídico
do final dos anos 80.
Após a entrada em vigor da
Constituição entrou em pauta a necessidade de prévia aprovação em concurso
público de provas e títulos, por força do artigo 236, parágrafo 3°: “O ingresso
na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e
títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga sem abertura de
concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”. (BRASIL, 1988).
O texto da Constituição trouxe outras
disposições afeitas a atividade, inclusive indicando que lei futura iria ser criada
para regular as atividades e, disciplinar a responsabilidade civil e criminal
do notário e registrador.
Desta forma, foi editada a lei
8.935/94, que popularmente é chamada de lei dos cartórios. A norma acima citada
teve como objetivo positivar todas as necessidades estabelecidas no texto
constitucional, e cumpriu bem a sua função.
2.4
Natureza jurídica das Serventias Extrajudiciais
A natureza jurídica das Serventias
extrajudicias é fruto de intenso debate que gira em torno de duas correntes.
Conforme a primeira corrente, os titulares
das Serventias são delegatários da administração pública (agentes públicos). Essa
corrente tem como defensor Walter Cenevita e Alexandre Ribeiro.
Já a segunda corrente tem por base um
dispositivo da Constituição que trata os titulares como colaboradores do Poder
Público. Segundo o artigo 236 da Constituição “Os serviços notariais e de
registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”. Desta
forma, não constituindo serviço público.
Os elementos de caráter público que
compõe a atividade cartorária, como o fato de o ingresso na titularidade das Serventias
ser realizado por meio de concurso público, da posição possuir fé pública, da
fiscalização ser exercida permanentemente pelo estado, e ainda haver a
impossibilidade de acúmulo com outra função pública, fazem com que a maior parte da doutrina e jurisprudência
considere a atividade notarial e de registro como serviço público e, por
consequência, sujeitos aos princípios da administração pública elencados no
artigo 37 da Constituição, que são eles: legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência.
Conforme o artigo 25 da lei 8.935/94
“O exercício da atividade notarial e registro é incompatível com o da
advocacia, o da intermediação de seus serviços ou o de qualquer cargo, emprego
ou função públicos, ainda que em comissão”. (BRASIL,1994)
O dispositivo citado acima demonstra a
relação próxima da atividade com o estado, por vezes os revestindo com o manto
da autoridade conferida, e, por outras vezes, deixando claro que os mesmos
ocupam cargo público.
Segundo Celso Antônio Bandeira de
Melo, serviço público é:
“[...]toda atividade de oferecimento
de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em
geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como
pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes,
sob um regime de Direito Público, portanto, consagrador de prerrogativas de
supremacia e de restrições especiais – instituído em favor dos interesses
definidos como públicos no sistema normativo.” (BANDEIRA DE MELO, 2007 a,
p.600)
Entretanto, segundo Di Pietro o
serviço público é:
“[...] toda atividade material que a
lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados,
com o objetivo de satisfazer concretamente as necessidades coletivas, sob o
regime jurídico total ou parcialmente público.” (DI PIETRO, 2013 A, P.107)
A definição de serviço público feita
pelos dois doutrinadores citados acima traz elementos presentes na atividade
desempenhada pelos cartorários.
O professor Walter Ceneviva enfatiza:
“a atividade registraria, embora exercida em caráter privado, tem
característicos típicos de serviço público”. (CENEVIVA, 2007, p.72)
A doutrina adepta da segunda corrente
fomenta a ideia de que os notários e registradores são meros colaboradores da
administração pública.
Meirelles retrata o tema da seguinte
forma:
[...] particulares que recebem a
incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e o
realizam em nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do
Estado e sob a permanente fiscalização do delegante. Esses agentes não são
servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado; todavia,
constituem uma categoria a parte de colaboradores do Poder Público. Nessa
categoria encontram-se os concessionários e permissionários de obras e serviços
públicos, os serventuários de ofícios não estatalizados, os leiloeiros, os
tradutores e intérpretes públicos, as demais pessoas que recebem delegação para
a prática de alguma atividade estatal ou serviço de interesse coletivo.
(MEIRELLES, 1997 a, p.75)
Os defensores dessa corrente entendem
que, apesar da atividade ter caráter preponderante público, o legislador
constitucional preferiu deixá-la fora da esfera estatal, ao enfatizar o caráter
de delegação de serviço público, sendo assim não inclui na categoria de serviço
público, ato contínuo não considerando os titulares das Serventias como espécie
de agente público.
2.5
Cooperação das Serventias Extrajudiciais no combate à corrupção e à lavagem de
dinheiro
A cooperação dos notários e registradores
no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro é inerente à atividade
desempenhada. A atuação preventiva exercida em conjunto com as autoridades
competentes desempenha papel importante no combate a essas espécies de crimes.
Em
nosso ordenamento jurídico, o crime de lavagem de dinheiro está previsto na Lei
9.613/1998, logo em seu artigo 1º “ocultar ou dissimular a natureza, origem,
localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou
valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal” (BRASIL,
1998)
É
importante uma avaliação criteriosa do titular da serventia diante de uma
possível ocultação ou dissimulação da origem da propriedade ou dos bens
decorrentes de possíveis práticas ilícitas.
A prática dos crimes de lavagem de
dinheiro e corrupção geralmente levam o indivíduo adquirir patrimônio, e ao
adquirir patrimônio é natural que a transação passe impreterivelmente em Cartório
extrajudicial, como, por exemplo, a transferência de imóvel e, caso a transação
levante alguma suspeita das práticas elencadas acima, o titular da Serventia poderá
levar a situação a conhecimento das autoridades competentes.
No momento em que prática determinados
atos, o titular de serventia extrajudicial deve comunicar eletronicamente a uma
central de arquivos, e as informações constantes estão disponíveis aos órgãos
públicos, como, por exemplo, por intermédio do DOI (declaração sobre as
operações imobiliárias) cuja comunicação é obrigatória em toda transação que
envolver imóvel.
Outro aspecto importante dessa
cooperação é o fornecimento de informações sempre que solicitado pelos órgãos
competentes, como, por exemplo, ofícios que são encaminhados pela Receita
Federal, Policia Federal e Ministério Público, com o intuito de receber
informações sobre determinada operação imobiliária, dentre outros.
Com o decorrer das décadas, houve a expansão
dos crimes organizados no âmbito nacional e internacional, trazendo grandes
prejuízos à sociedade e, de igual forma, afetando à organização e à economia
dos países.
Diante disso, é importante frisar que
os cartorários assumem papel de grande relevância no processo preventivo, sendo
o agente de pacificação social com escopo de interpretar e formalizar
juridicamente a vontade e intenção das partes, prevenindo de uma possível
dissimulação e atividades ilícitas.
2.6
As serventias Extrajudiciais e o auxílio ao Estado e ao Município na
fiscalização da arrecadação de Tributos
Os Cartórios Extrajudiciais exercem
importante função no auxílio ao Estado e Município na fiscalização da
arrecadação dos tributos inerentes a atividade Cartorária, enfatizando a natureza
pública da atividade.
A prática de determinados atos via
Cartório somente é possível com o recolhimento do imposto necessário. Dois
impostos merecem destaque, o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis ou
Doação). É um imposto de competência estadual que incide sobre a doação de bens
em vida ou em razão da sucessão. No momento da confecção da Escritura Pública
de Inventário Extrajudicial, é necessária a apresentação de certidão de
desoneração do Imposto citado acima. Já o ITBI (Imposto de Transmissão de bens
Imóveis) é de competência municipal e tem como fato gerador a transmissão,
inter vivos, de bens imóveis, direitos reais, dentre outros.
O titular da serventia e seus
colaboradores devem conferir apenas o pagamento do imposto, que deve ter como
base para cálculo o valor venal do imóvel ou bens. A alíquota dos impostos é
defina em legislação própria; quanto ao ITBI, cada Município tem sua legislação
e define a sua alíquota própria. Entretanto, o ITCMD em que pese ser um imposto
estadual, tem sua alíquota máxima definida por uma resolução do Senado Federal,
as legislações estaduais devem estar alinhadas ao teto máximo previsto nessa
resolução, no Estado de Minas Gerais a alíquota máxima do ITCMD é de 5%.
O caráter de “órgão fiscalizador” das
Serventias Extrajudiciais encontra sua previsão legal na legislação específica.
Quando do recebimento dos documentos,
no momento da qualificação do título os Oficiais de registro devem fazer
“rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos” (artigo 289 da lei n.
6.015/73).
Ainda, a lei orgânica da atividade,
8.935/94, reza a seguinte disposição em seu artigo 30: é dever do oficial “fiscalizar
o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar”.
Os impostos citados compõem grande
parte da fonte de arrecadação dos Estados e Municípios, e a colaboração dos
Notários e Registradores na fiscalização de sua arrecadação é de grande valia
para o ente público.
3 Função
Social das Serventias Extrajudiciais
A forma como ocorre o funcionamento
das serventias extrajudiciais do Brasil serve de inspiração para diversos
Países, devido ao grau de organização, celeridade e eficiência que alcançou.
O advento da Constituição de 1988
trouxe a transparência e publicidade que a atividade necessitava, a fixação das
tabelas de emolumentos por parte dos tribunais de cada estado também foi um
ponto importante, padronizando o valor dos emolumentos em âmbito estadual.
Um dos nossos primeiros atos formais é
o registro e expedição da certidão de nascimento, realizado no Cartório de
registro civil, e assim por diante nos atos de maior importância durante nossa
existência: casamento, divórcio, óbito, aquisição de imóvel, dentre outros.
A experiência com o registro de imóveis
brasileiro é, por exemplo, apontada como modelo de segurança jurídica para
países da Europa, América latina e Ásia. Dentre os países com o sistema
cartorário idêntico estão Alemanha, Itália, Japão, Turquia, Albânia. São estas
exemplos de Serventias Extrajudiciais que seguem o mesmo modelo de notariado
latino e que representam 2/3 da população e 60% do produto interno bruto
global, segundo o International Union of Notaries (União Internacional do
Notariado Latino).
Com o advento da Constituição de 1988,
a atividade cartorária ganhou ainda mais legitimidade. A democratização por
meio de concurso público tornou o acesso à titularidade das serventias palpável
a todo cidadão que tenha interesse em prestar concurso, desde que preenchido os
requisitos para a inscrição, dentre eles ser bacharel em Direito.
Por meio do acesso à informação por
intermédio dos sites de tribunais estaduais e de associações relacionadas à
temática cartorária, qualquer cidadão tem acesso a todas informações
necessárias para a feitura de qualquer ato em Cartório. A tabela de emolumentos
a serem cobrados pelos Cartórios está disponível nos sites dos tribunais
estaduais, ouvidorias, também, foram instaladas pelos tribunais para receber
reclamações e elogios sobre a prestação de serviços dos Cartórios. Toda essa
segurança e eficiência pelo serviço prestado levou os Cartórios a serem
considerados pela população a instituição mais confiável do País.
A responsabilidade social das
serventias extrajudiciais centrada na figura de seu titular e colaboradores
contribui para sociedade nos campos da harmonia e paz social. Ao exercer o seu mister,
o titular da serventia impacta em vários campos da vida do cidadão. O oficial
do registro de imóveis ao proceder o registro do imóvel fruto da Usucapião,
regularizando a propriedade do imóvel e resguardando o direito à moradia de
determinado cidadão, traz paz e justiça social. O oficial do cartório de
registro civil ao proceder a alteração do nome e gênero da pessoa trans na
certidão de nascimento ou casamento, concederá legitimidade e segurança
jurídica para aquele cidadão. Dentre outas possibilidades.
O processo de evolução da atividade notarial
e registral, associado à crescente evolução e democratização da informação,
tornou a atividade cada dia mais imprescindível para o funcionamento regular
das cidades. A atividade notarial e registral pode ser compreendida como
instrumento pelo qual as partes procuram alcançar o resultado pretendido, com
segurança jurídica e eficiência.
O nosso ordenamento jurídico evoluiu e
essa evolução trouxe a competência das serventias matérias que antes tinham o
caráter essencialmente judicial, auxiliando na resolução de conflitos e
trazendo celeridade aos procedimentos.
A esse respeito, Rogério Portugal
Bacellar ensina:
“[...] São os cartórios os grandes
responsáveis pela atribuição da segurança jurídica nos negócios e nos atos
jurídicos da população. A aquisição de direitos e deveres se dá por meio dos
registros realizados nos cartórios. Um exemplo simples e prático é o registro
de imóveis que garante a um comprador que o imóvel negociado por ele realmente
pode ser comercializado." (BACELLAR, 2011)
Conforme trata o artigo 6° da lei
orgânica dos notários e registradores, lei 8.935/94:
“[...] Art. 6°. Aos notários compete:
I - formalizar juridicamente a vontade das partes; II - intervir nos atos e
negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou
autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados,
conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; III -
autenticar fatos.” (BRASIL 1994)
Ao desempenhar a função de titular da
serventia, o Notário (caso específico do artigo 6° da lei 8.935/94) acolhe as
intenções das partes assessorando imparcialmente com a técnica necessária para
dar forma jurídica a vontade das mesmas. Então, no momento em que transcreve o
ato, ele se converte em instrumento público dotado de publicidade e segurança
jurídica.
Outro caráter latente da função social
das serventias extrajudiciais está associado à
desjudicialização/extrajudicialização, considerando a importância dos Cartórios
para a redução das demandas judiciais, conferindo a seus atos autenticidade e
fé pública que a função é dotada.
4 Desjudicialização
A desjudicialização/extrajudicialização
é uma tendência moderna em nosso ordenamento jurídico. Os legisladores optaram
por deslocar a competência de alguns procedimentos que tinham natureza
essencialmente judicial para via extrajudicial, a principal razão para essa
transição é a morosidade processual. O grande marco da desjudicialização foi a
entrada em vigor do CPC/15, que trouxe novas figuras e possibilidades para o
direito brasileiro. Como exemplo, a usucapião extrajudicial, ata notarial,
demarcação e divisão por escritura pública, entre outros. A desjudicialização
em sua essência não extingue a via judicial, apenas torna o acesso à justiça
plural, em muitos casos concede a faculdade ao cidadão de optar pela
alternativa que julgar melhor, extrajudicial ou judicial. O CPC/15 firmou ainda
o prestígio às serventias extrajudiciais como o local adequado a promoção da
extrajudicialização.
O conceito de desjudicialização
consiste na transferência de procedimentos que anteriormente eram de natureza
judicial para as Serventias Extrajudiciais, o movimento é uma tendência moderna
no direito brasileiro e fruto de intenso debate no meio acadêmico. A primeira
grande inovação envolvendo a extrajudicialização foi com o advento da lei
11.441/2007, que trouxe a possibilidade da realização de inventários, partilhas
e divórcios nos Cartórios de Notas. A comunidade jurídica encarou a novidade
com certa desconfiança no início, mas nos dias de hoje, passados 12 anos, a
modalidade extrajudicial desses procedimentos é tão comum quanto a judicial.
A respeito da lei que instituiu o
divórcio e inventário extrajudicial, Valestan Milhomem Costa assevera que:
“[...] A Lei nº 11.441/07, que passou
a permitir o inventário, a separação e o divórcio administrativos, é a
demonstração inconteste do bom senso daqueles que vêm conduzindo a reforma do
Judiciário, demonstrando um sério compromisso com a desburocratização, com a
celeridade, com a efetividade e com a segurança jurídica, princípios cogentes
em toda sociedade moderna comprometida com o desenvolvimento sustentável, com a
defesa de suas instituições, com a economia popular e com o fortalecimento do
crédito, cuja principal garantia ainda é imobiliária. Já era tempo de dispensar
a tutela judicial para as sucessões sem testamento, quando os interessados,
sendo maiores e capazes, estão de pleno acordo quanto à partilha dos bens, pois
a função de aquilatar se o quinhão concreto não fere o quinhão abstrato
contemplado na lei, observando-se a devida vocação hereditária, e de fiscalizar
o recolhimento da contribuição tributária correspondente ao valor dos bens,
pode perfeitamente ser desempenhada por um tabelião, profissional do direito
dotado de fé pública, sobretudo quando as partes contam com a assistência de
advogado”.
Para a realização dos procedimentos
supracitados pela via extrajudicial, alguns requisitos devem ser observados,
como o consenso entre as partes e a capacidade.
O deslocamento de competência da via
judicial para a extrajudicial teve como principal motivo a morosidade processual.
A morosidade é um dos principais problemas do Poder Judiciário brasileiro.
Como forma de combater essa morosidade,
surgiu a desjudicialização. O deslocamento de competência abarcou procedimentos
que tinham como maior característica a falta de litígio, ou seja, sem conflito.
Conforme citado acima, desde o ano de 2007 existe a possibilidade do inventário
extrajudicial e divórcio extrajudicial. Com o advento do CPC/15, passou a
existir a figura da usucapião extrajudicial em seu artigo 1.071, dentre outras
alterações
O Código de Processo Civil trouxe
orientação a extrajudicialização como uma de suas marcas. É grande o número de
alterações nesse sentido, que agregou uma série de alternativas para a
população solucionar conflitos.
O legislador ao optar por promover a
desjudicialização, levou em consideração a realidade do poder judiciário. A
medida a longo prazo vai trazer reflexos positivos ao judiciário, tornando-o
mais célere.
A mediação e conciliação
extrajudiciais são estimuladas pelo CPC/15 e recentemente foram fruto do
decreto n° 67/18 do CNJ, que regulamentou a realização dessas formas
alternativas de resolução de conflito nas Serventias Extrajudiciais. Ainda que
a demanda tenha sido judicializada, será possível a opção pela via
extrajudicial.
Os próprios cursos de direito estão se
adaptando a essa nova realidade do ordenamento jurídico, deixando de formar
profissionais adeptos exclusivamente a processo e dedicando disciplinas do
curso para conciliação e mediação de conflitos.
Em linhas gerais, a previsão a longo
prazo é positiva, e, dentro de algum tempo, as novas formas de resolução de
conflitos devem tomar o lugar do litigio.
Sob essa ótica, o poder judiciário não
pode ser considerado como o único caminho para o acesso à justiça, a
extrajudicialização torna o acesso a justiça plural, trazendo celeridade e a
mesma segurança jurídica oferecida pela via judicial.
O local adequado para a promoção da
desjudicialização são as Serventias extrajudicias, em que é possível obter o
resultado pretendido, nos casos previstos em lei, com segurança jurídica e
celeridade.
5 Conclusão
A partir do referido, conclui-se que o
avanço das Serventias Extrajudiciais e a evolução do nosso ordenamento jurídico
tornou ainda mais essencial o serviço prestado pelos Cartórios. A atividade
desempenhada deve servir de modelo e inspiração para outros serviços públicos,
devido a eficiência, celeridade e transparência. Outro ponto importante diz
respeito a confiança e satisfação da população na instituição, que cresce a
cada pesquisa realizada.
A função social das Serventias Extrajudiciais
auxilia na obtenção da paz social e harmonia nas cidades, no País que tanto
valoriza a segurança jurídica, tornando o acesso à justiça plural.
O movimento da desjudicialização tende
a ficar mais intenso nos próximos anos, uma vez que existem diversos projetos
de lei voltados a essa temática.
Portanto, após as experiências de
sucesso com o deslocamento de procedimentos para a via extrajudicial,
promovendo a celeridade, economia de recursos, dentre outros, não se pode
conceber o desenvolvimento do nosso ordenamento jurídico e sociedade sem a
presença das serventias extrajudiciais.
Referências Bibliográficas
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social de notários e registradores. São Paulo, 07 set. 2011. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/a-funcao-social-de-notarios-e-registradores-bskxx9ep2y44etb7x4mp49w7i/.
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*Gustavo Sousa César é Pós-graduado em Direito Público pela Pontifícia
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Fonte: CNB/CF