No dia 23 de abril deste ano, entrou em tramitação no Senado
Federal, pelas mãos da senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), o Projeto de Lei n.º
2.452/2.019 que pretende alterar a redação do art. 1.575 do Código Civil, que
trata da separação judicial seguida de partilha de bens.
A senadora, que é advogada originária de Mato Grosso do Sul e que
inaugura sua participação na Casa, propõe que sejam acrescidos dois parágrafos
ao artigo de lei, prevendo natureza punitiva àquele consorte que tentar sonegar
patrimônio no momento da partilha.
Ou seja, o projeto prevê, a partir da constatação de prática de
atos de sonegação por uma das partes e consequente lesão causada no adverso –
ou, ao menos, a intenção de lesar originada na apropriação indevida – a perda
do direito de meação que sobre referidos bens recaia.
A proposta da senadora está recebendo tramitação acelerada: em
andamento há menos de quinze dias, já foi encaminhada para a Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania, onde sequer recebeu qualquer sugestão de
emenda dentro do prazo regimental que, a propósito, já foi encerrado. Neste
momento, aguarda designação de relator.
Dentre as justificativas apresentadas para a proposição, parece
importante mencionar a experiência recorrente nos processos de separação e
divórcio onde exista partilha a realizar e, não raro, onde surge um dos
consortes imbuído de má-fé cometendo atos fraudulentos, a fim de ludibriar o
outro e, consequentemente, diminuir ao máximo possível o patrimônio a ser
partilhado.
Isso pode ser feito de diversas formas. A facilidade – ou não –
vai estar diretamente ligada à natureza do bem que se busca ocultar. Ocorre que
a legislação civil vigente não apresenta tantas opções para o cônjuge
eventualmente compreendido como vulnerável a fim de evitar o prejuízo
perpetrado por parte do outro.
Uma das poucas alternativas reside na previsão do Direito
Sucessório, e foi onde buscou auxílio o Projeto de Lei, a partir do momento em
que prega tratamento análogo a ser dado para a separação ou divórcio in casu.
Inspirou-se, portanto, no art. 1.992 do Código Civil, o qual prevê? o
perdimento da meação no caso de configuração da sonegação de bens.
Por mais que mereça aplauso o projeto – considerando o número sem
fim de atos fraudulentos que surgem no momento de realizar a partilha onde um
dos consortes não está tão conformado com o fim da mancomunhão – também merece
redobrada atenção para que injustiças não sejam cometidas.
Em casos assim, deve-se atentar, principalmente, para os conceitos
de bens sonegados, que vão ser encontrados nos estudos de Direito Sucessório,
principalmente, a partir de que momento os bens podem ser considerados
sonegados, e não somente litigiosos. Exemplos devem ser trazidos referentes aos
bens sub-rogados, bens particulares, etc.
Mais ainda diz com as participações societárias, muitas vezes
recebidas em doação, inclusive com cláusula de incomunicabilidade até sobre os
rendimentos. Por óbvio que os bens podem ser, por determinado período,
litigiosos, mas não podem, em momento algum, ser confundidos com sonegados, na
eventualidade de serem considerados partilháveis. Assim, correria o risco de
perda de sua meação o cônjuge sócio da empresa, titular desde o início de
constituição daquele patrimônio.
Ainda, há que se relembrar que o patrimônio móvel – no qual se
incluem as participações societárias – permite gestão sem necessidade de
outorga, o que também pode dar margem para eventual alegação de sonegação e,
até mesmo, de questionamento acerca da adequação de pleito de desconsideração.
Por fim, pelo menos por ora, há ainda a situação que merece
destaque referentemente aos bens que devem ser partilhados ou não no que
respeita aos frutos e produtos, mais especificamente, dividendos e
bonificações. São discussões que se alongam no processo, assim como os valores
que são reinvestidos na sociedade, dentro do permitido pela LSA – Lei das
Sociedades Anônimas, o que também pode enganar o julgador, levando-o a
acreditar que o bem litigioso se configura em bem sonegado.
Portanto, não será em demasia o cuidado para lidar com o projeto,
bem como os conceitos que ele engloba, principalmente no momento em que lei
virar – espera-se. Entretanto, para coibir fraudes, não se pode incidir
descuidadamente em atos punitivos sem que se tenha anteriormente estabelecido
os parâmetros para a aplicação devida da regra.
*Karime Costalunga, advogada, parecerista e consultora jurídica
atuante na área de Direito de Família e Planejamento Sucessório. Doutora e
Mestre em Direito Privado pela UFRGS
Fonte: Estadão