Por Lara Hoeltz Sperb
TJ/SP confirma que ITBI não incide sobre
imóveis partilhados em divórcio consensual sem compensação financeira,
reconhecendo reorganização patrimonial sem caráter oneroso.
A partilha de bens em processos de
divórcio consensual levanta recorrentes discussões sobre a incidência do ITBI -
Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis. Para melhor ilustrar a atual
controvérsia, imagine a situação de dois casais, ambos casados em comunhão
parcial de bens, dividindo seus bens em um divórcio consensual. No primeiro
casal, durante a partilha, um imóvel é atribuído integralmente a um dos
cônjuges, sem que o outro receba qualquer compensação financeira. No segundo
casal, a situação é semelhante, mas com uma diferença crucial: o cônjuge que
recebe o imóvel transfere ao outro, como compensação, valor em dinheiro ou bens
- valor correspondente ao excesso de sua meação.
A comparação entre os dois exemplos
evidencia o critério jurídico relevante: não é a desigualdade formal na divisão
dos bens que importa, mas sim a presença ou ausência de contraprestação.
Quando a partilha ocorre de forma
equânime, sem qualquer compensação financeira entre os cônjuges, o entendimento
jurídico consolidado é o de que não se configura fato gerador para cobrança do
tributo, que é o caso do primeiro casal. Já em situação que exista
contraprestação, como a do segundo casal, incidirá ITBI.
A Constituição Federal, em seu art. 156,
inciso II, condiciona a cobrança do ITBI à transmissão "intervivos",
por ato oneroso. Assim, a mera reorganização patrimonial entre os cônjuges -
ainda que implique transferência de titularidade formal sobre bens imóveis -
não atende ao critério constitucional de incidência do imposto, na hipótese de
não haver contraprestação pecuniária.
O STJ firmou a orientação de que o ITBI
não incide sobre partilhas decorrentes do divórcio, mesmo quando desiguais,
desde que não haja caráter oneroso (REsp 1.111.589/SP, AgRg no REsp
1.605.245/SP e REsp 1.733.560/PR). No mesmo sentido, os Tribunais de Justiça
estaduais têm seguido essa linha interpretativa, afastando a cobrança do
imposto em situações análogas.
O município de São Paulo, no entanto,
deixa de aplicar este entendimento quando da averbação da documentação de
divórcio consensual em Registro de Imóveis. O entendimento tem sido
reiteradamente desacolhido pelos tribunais.
A 18ª Câmara de Direito Público do TJ/SP,
ao julgar a apelação 1010120 86.2024.8.26.0053, reconheceu por unanimidade a
não incidência do ITBI sobre a transferência de imóvel realizada em partilha de
bens no contexto de um divórcio consensual, desde que não haja qualquer
compensação financeira entre os cônjuges. O entendimento reforça que a partilha
de bens em divórcio é um ato de reorganização patrimonial e não uma transmissão
onerosa de propriedade.
Um aspecto relevante da fundamentação é a
compreensão de que o critério de incidência deve considerar o conjunto do
patrimônio partilhado, e não cada bem individualmente. Quando a divisão do
acervo comum se dá de forma equitativa e sem contrapartida econômica, não há
fato gerador do imposto. Assim, apenas situações com compensação financeira -
como pagamento em dinheiro ou entrega de outro bem - ensejam a incidência do
ITBI sobre a parcela correspondente à onerosidade.
O ITBI é um imposto de competência
municipal, e por isso sua regulamentação varia entre os entes federativos. No
município de São Paulo, por exemplo, a lei 11.154/1991 rege a cobrança do
imposto, prevendo alíquota de 3% sobre o valor venal de referência dos bens
transmitidos. Ainda assim, essa legislação deve ser interpretada conforme os
limites constitucionais, o que impede sua aplicação a atos que não configurem
onerosidade. O TJ/SP, em diversas decisões, afasta o entendimento do Município,
confirmando que a mera formalização da titularidade de bens na partilha, sem
pagamento, não enseja a cobrança do imposto, alinhando a legislação municipal
ao texto constitucional.
Essa mesma lógica tem sido aplicada por
outros tribunais estaduais. No Rio de Janeiro, aplica-se a súmula 66 do TJ/RJ,
que afasta a incidência do ITBI na partilha sem caráter oneroso e direciona
eventual tributação ao ITCMD quando houver excesso de meação gratuito. Em Porto
Alegre, o TJ/RS adota posição semelhante, reconhecendo que a partilha sem
compensação deve ser tratada como doação apenas quando configurado excesso, mas
sem gerar incidência de ITBI.
Portanto, a jurisprudência nacional
converge para o entendimento de que a partilha de bens decorrente de divórcio,
quando realizada sem compensação financeira, constitui ato de reorganização
patrimonial interna, sem natureza onerosa, e, por isso, está fora do campo de
incidência do ITBI. Tal interpretação reforça a segurança jurídica nas
dissoluções da sociedade conjugal, evitando a exigência indevida de tributos e
promovendo a justiça fiscal.
Lara Hoeltz Sperb: Sócia da área
tributária do Andrade Maia Advogados, com atuação focada no contencioso
administrativo e judicial de alta complexidade. Possui experiência estratégica
em processos envolvendo tributos diretos e indiretos perante os tribunais
estaduais e federais.
Fonte: Migalhas