Inovação possibilitou a realização de atos da Lei Federal nº 11.441/07 mesmo com a existência de menores ou incapazes
A Resolução nº 571, publicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no dia 20 de agosto deste ano, trouxe uma mudança significativa na forma como os atos notariais são conduzidos no Brasil. No Rio Grande do Sul, a repercussão dessa medida foi imediata, especialmente pela ampliação das possibilidades de realização de inventários e divórcios em Tabelionatos de Notas, que agora podem envolver herdeiros menores ou incapazes e, no caso dos inventários, serem realizados mesmo com a existência de testamento, prevendo também a participação do Ministério Público.
Nos casos de divórcio, a nova decisão deve alterar o cenário atual, onde 77,5% dos atos ocorrem na via judicial e apenas 22,5% são realizados em Tabelionatos de Notas, quando há acordo entre as partes e não há filhos menores. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 48,5% dos divórcios judiciais no Brasil envolvem menores de idade, e com essa mudança, uma parte desses casos poderá ser transferida para os Cartórios, permitindo a finalização do processo até no mesmo dia.
Quanto aos inventários e partilhas, que somam cerca de 25.051 escrituras anuais em Tabelionatos no RS, a nova permissão deve gerar um aumento de 40% nos atos, já que agora, mesmo quando há herdeiros menores ou incapazes, ou em casos que envolvem testamento, o processo poderá ser conduzido diretamente pelos Tabelionatos de Notas, reduzindo o tempo de conclusão de anos para semanas.
“O grande ganho é que em vez de passar pelo Judiciário, o ato é realizado pelo cartório, onde não tem aquela burocracia. As pessoas levam os documentos e não precisam esperar marcar uma audiência, despacho do juiz, então fica muito mais ágil, e também menos dispendioso para a população. Estes são os dois pontos mais significativos. A sistemática é a mesma, o Ministério Público ainda precisa dar seu parecer nos casos que envolvem menores, pois é sua prerrogativa legal, e as partes também precisam de um advogado para realizar o ato. A diferença mesmo é a ausência da burocracia que tem no Judiciário, o que deixa tudo mais prático”, destaca José Flávio Bueno Fischer, presidente do Colégio Notarial do Brasil – Seção Rio Grande do Sul (CNB/RS).
Para a advogada e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Maria Berenice Dias, a Resolução nº 571 representa um avanço significativo. "Essa resolução vem nessa linha de desjudicializar os processos em que não há necessidade de uma decisão do juiz, ou seja, onde o juiz não vai ter que decidir entre uma coisa ou outra. Então, esses processos em que se exige bom senso, não há por que não poder ser feito nas linhas extrajudiciais. Esse avanço é significativo, e a busca do IBDFAM perante o CNJ foi para uniformizar essa questão", destaca Maria Berenice, destacando que o Instituto teve papel central na proposta que resultou na criação da Resolução, com o intuito de simplificar processos em que o consenso predomina, poupando as partes da burocracia judicial.
Ricardo Vogt, advogado e presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB/RS, compartilha uma visão otimista sobre a nova norma, especialmente para quem trabalha com Direito Imobiliário e de Família. "Para quem trabalha com essas áreas do Direito, essa Resolução é um avanço muito importante. Um processo que no Judiciário levaria mais de um ano, em Tabelionato pode ser resolvido em poucos meses se reunidas todas as condições, dessa forma, desafogando o Judiciário". Vogt reforça que, embora haja uma curva de aprendizado, a resolução proporciona aos advogados a possibilidade de concentrar as demandas que realmente necessitam de um juiz no Judiciário, enquanto as demais podem ser resolvidas de forma ágil e extrajudicial.
Essa visão também é compartilhada pelo juiz-corregedor da Corregedoria da Justiça do Rio Grande do Sul, Felipe Lumertz, responsável por acompanhar a implementação da nova Resolução no Estado. "A Resolução 571 constitui uma verdadeira inovação normativa, garantindo maior agilidade e principalmente respeito à autonomia das partes interessadas nos processos. Do ponto de vista da Corregedoria Geral da Justiça do RS, a Resolução é muito boa, pois permite a desjudicialização, tirando do judiciário situações que não precisariam estar sendo apreciadas no âmbito jurídico", afirma. Lumertz ainda destaca o papel do tabelião em garantir a segurança jurídica dos atos, cabendo a ele a qualificação jurídica e o cumprimento das exigências legais para a correta execução do processo.
Já o promotor de Justiça Tiago Conceição, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Proteção do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, Cível, Família e Sucessões, aponta preocupações com a nova norma, especialmente no que diz respeito à proteção dos herdeiros incapazes. "No entender do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa, Cível, Família e Sucessões, do MPRS, a Resolução conflita com o disposto no artigo 610 do Código de Processo Civil, quando admite inventário extrajudicial com herdeiro incapaz", observa o promotor.
Ele acrescenta que, embora a nova norma preveja a preservação da divisão dos herdeiros incapazes, faltam garantias de que todo o patrimônio da pessoa falecida foi adequadamente partilhado ou que as dívidas foram quitadas antes da partilha. "Tampouco há previsão de diligências postuladas pelo MP para esclarecimentos", complementa.
Com a normativa, inaugura-se uma nova fase para os atos notariais no Rio Grande do Sul e no país, promovendo celeridade e desafogando o sistema judiciário. Contudo, o desafio de garantir segurança jurídica e proteção adequada aos envolvidos, especialmente aos herdeiros incapazes, ainda exige debate e adaptação.