É fato a importância de
uma consolidação de um entendimento sobre a inclusão (ou não) dos companheiros
como herdeiros necessários
A identificação de uma
relação como união estável é relativamente recente em nossa sociedade e, na
prática, o seu conceito vem sendo adaptado às diferentes realidades e formações
familiares. Por essa razão, o tratamento que lhe é dado pelo nosso ordenamento
jurídico sempre foi e, em algumas situações, ainda é objeto de divergências e
discussões entre os operadores do direito.
Apesar da união estável
ser equiparada ao casamento civil sob o regime da comunhão parcial de bens, o
Código Civil trouxe um tratamento diferenciado aos institutos no que diz
respeito à sucessão patrimonial, ou seja, no falecimento, o cônjuge viúvo,
conforme artigo 1.829, do Código Civil, tem um tratamento para o recebimento de
herança e o companheiro viúvo, conforme artigo 1.790, do Código Civil, tem
outro tratamento para o recebimento da herança, neste último caso em posição
inferior ao primeiro.
Após muita discussão
sobre a legitimidade do tratamento diferenciado, o STF definiu como
inconstitucional a norma prevista no artigo 1.790, do Código Civil. O
mencionado artigo, ao trazer regras próprias à sucessão no caso de união
estável, deixou o companheiro do falecido em uma posição inferior e, de certo
modo, desamparado com relação aos direitos do cônjuge sobrevivente, já que,
segundo a norma, o companheiro nada herdava dos bens particulares do falecido e
ainda concorria na herança dos bens comuns com os parentes colaterais (irmãos,
sobrinhos, tios e primos).
Assim, a discussão do STF
acarretou o reconhecimento de repercussão geral, firmando a tese segundo a
qual: "É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre
cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser
aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o
regime do art. 1.829 do CC/2002".
Por consequência, devemos
interpretar a redação do artigo 1.829 do Código Civil de modo que onde se lê
"cônjuge" dever-se-á ler "cônjuge ou companheiro":
"Artigo 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos
descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este
com o falecido no regime de comunhão universal, ou no de separação obrigatória
de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime de comunhão parcial, o
autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos descendentes,
em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos
colaterais."
No entanto, apesar do
reconhecimento pelo STF da inconstitucionalidade do artigo 1.790, do Código
Civil, e por consequência definir que no artigo 1.829, onde se lê
"cônjuge" deve ser lido "cônjuge ou companheiro", o tema
ainda é objeto de discussões e dúvidas entre os interessados e operadores do
direito.
A decisão gera ainda
interpretações diversas e muitos se questionam se, com a decisão, os
companheiros passam a fazer parte do rol de herdeiros necessários - aqueles que
não podem ser excluídos da parte legítima da herança - visto que os cônjuges,
juntamente com os descentes e ascendentes, são classificados como herdeiros
necessários, conforme dispõe o artigo 1.845 do Código Civil.
Embora a tese de
repercussão geral não tenha mencionado expressamente que os companheiros passam
a integrar o rol dos herdeiros necessários, alguns ainda insistem em
interpretá-la nesses moldes, com a justificativa de que os companheiros foram
equiparados aos cônjuges para fins sucessórios. Trata-se de uma interpretação
extensiva da tese do STF, acarretando grande insegurança jurídica aos
envolvidos, já que desconsidera qualquer limite para a tese estabelecida, que
claramente diz respeito somente à (não) aplicabilidade do artigo 1.790, do
Código Civil, à sucessão patrimonial na união estável.
Assim sendo, não obstante
a tese fixada pelo STJ ser considerada um avanço para a temática em discussão e
ter de ser comemorada, a sua interpretação extensiva causa grande insegurança
jurídica e deixa os companheiros em uma posição de incertezas, já que, apesar
de equiparado ao cônjuge para fins sucessórios, podem ter a sua herança
diminuída ou mesmo excluída por meio de testamento.
É fato, então, a
importância de uma consolidação de um entendimento sobre a inclusão (ou não)
dos companheiros como herdeiros necessários, visando o fim desses questionamentos
e maior segurança jurídica aos envolvidos.
Fonte: Migalhas