O Código de
Processo Civil, em seu artigo 784, traz um rol de documentos considerados como
títulos executivos extrajudiciais que permitem a tutela jurisdicional direta
mediante o procedimento de execução, dispensando a necessidade de um processo
de conhecimento que afirme a existência de um direito subjetivo. Nesse sentido,
é vantajoso ao credor que sua dívida seja qualificada como título executivo
extrajudicial para que, conforme convenha, possa optar por esse procedimento.
Dentre os
títulos executivos extrajudiciais, a hipótese prevista no inciso III, de "documento
particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas", é bastante
utilizada na prática negocial. A presença de testemunhas na assinatura do
documento, por sua vez, tem por objetivo, idealmente, garantir que a
manifestação de vontade das partes tenha ocorrido de forma livre e espontânea
[1].
Entretanto, em
muitos os casos, já é possível verificar uma flexibilização da jurisprudência
pátria em relação à validade de documentos subscritos pelas testemunhas após a
assinatura das partes. Exemplificativamente, destaca-se a atual e pacífica
posição do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "o fato das
testemunhas do documento particular não estarem presentes ao ato de sua
formação não retira a sua executoriedade, uma vez que as assinaturas podem ser
feitas em momento posterior ao ato de criação do título executivo
extrajudicial, sendo as testemunhas meramente instrumentárias" [2],
bem como o entendimento de que "a lei não exige que a assinatura das
testemunhas seja contemporânea à do devedor" [3].
Nas últimas
décadas, com o advento de novas tecnologias, criou-se uma importante ferramenta
no contexto dinâmico de negociações: os contratos firmados em meio eletrônico.
Tal ferramenta surge como alternativa às partes que, por inúmeras questões, não
possam se encontrar presencialmente. Sobretudo no contexto da pandemia de
Covid-19, esses contratos ganharam mais força em decorrência das limitações ao
deslocamento.
Embora a
assinatura digital e a validade de documentos eletrônicos sejam temas já
abordados pela legislação pátria desde o início do século 21, com a MP
2.200-2/2001, responsável por instituir a Infraestrutura de Chaves Públicas
Brasileira, popularizada como ICP-Brasil, e a Lei 12.682/2012, o destaque
merecido a essas normas surgiu em um contexto, infelizmente, pandêmico. Mais
recentemente, a Lei 13.874/2019, conhecida como Lei da Liberdade Econômica,
inclusive previu que os documentos arquivados por meio eletrônico estariam
equiparados aos documentos físicos para todos os efeitos, quando o arquivamento
for realizado de acordo com o disposto na lei.
A assinatura
digital com certificação se presta, portanto, a substituir, no meio eletrônico,
a assinatura de próprio punho, com garantia de autenticidade e inalteridade, de
forma a trazer segurança jurídica aos negócios virtuais [4]. Nesse ponto,
relevante o papel das empresas certificadoras, que atuam a partir da
disponibilização de documentos para assinatura digital e da utilização de
pontos de autenticação para controlar fraudes e provar a veracidade das
assinaturas.
A partir dessa
lógica, seria desnecessária a presença de testemunhas em documentos assinados
digitalmente, já que seria possível que as assinaturas tivessem sua idoneidade
comprovada por outros meios. De todo modo, ainda paira na doutrina e
jurisprudência pátria o questionamento referente à dispensa ou não de
testemunhas nos contratos contendo assinaturas digitais, bem como se estes
configurariam título executivo extrajudicial no caso de não serem firmados por
duas testemunhas.
O Superior
Tribunal de Justiça teve a oportunidade de examinar a matéria quando do
julgamento do Recurso Especial nº 1.495.920, em que se discutiu a executividade
de um contrato eletrônico de mútuo assinado digitalmente pelas partes sem a
assinatura de duas testemunhas. No caso, o julgamento foi favorável à
executividade do título, tendo em vista a possibilidade de verificação de sua
autenticidade por outros meios, que não as testemunhas.
Conforme
evidenciado pelo relator, a partir da aferição das assinaturas das partes pela
autoridade certificadora, torna-se desnecessária a assinatura das testemunhas.
Ainda, é prudente a análise concreta dos casos, a fim de "verificar se
é possível atestar que a celebração ocorreu nos termos, na forma e no momento
em que o instrumento contratual indica" [5]. Como consequência, "o
estabelecimento da necessidade de conterem a assinatura de duas testemunhas
para que sejam considerados executivos, dificultaria, por deveras, a sua
satisfação" [6].
Tal
entendimento, apesar de muito compatível com o contexto de negócios vivenciado
na atualidade, foi firmado em julgamento de recurso não repetitivo, de forma
que não é vinculante às cortes estaduais. De fato, a partir de uma análise de
julgados, ficou evidenciado que, mesmo após a decisão do STJ, há divergências
quanto à exigência de testemunhas para configuração de título executivo
extrajudicial [7].
Dessa forma, ao
menos enquanto não há uma jurisprudência pacífica sobre o tema, o adequado é
que os contratos eletrônicos continuem sendo celebrados com duas testemunhas.
Tal medida, além de simples, mitiga o risco do credor na medida em que lhe
concede um título executivo extrajudicial, ampliando o número de procedimentos
disponíveis na defesa de seus interesses e facultando ao credor a utilização
daquele que entender mais adequado.
Referências
[1] GONÇALVES,
Marcus Vinicius Rios. Curso de direito processual civil: execução, processos
nos tribunais e meios de impugnação das decisões. v. 3. 14. ed. São Paulo:
Saraiva Educação, 2021. p. 31.
[2] STJ. REsp
541.267. Relator ministro Jorge Scartezzini. Quarta Turma. Julgado em
20.05.2005.
[3] STJ. REsp
8.849. Relator ministro Nilson Naves. Terceira Turma. Julgado em 28 .05.1991.
[4] KLEE,
Antônia Espíndola Longini. Comércio Eletrônico. 1ª ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2014.
[5] MENKE,
Fabiano. A Forma dos Contratos Eletrônicos. Revista de Direito Civil
Contemporâneo, vol. 26, jan-mar/2021, pp. 85-113.
[6] STJ. REsp
1.495.920. Relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Terceira Turma. Julgado
em 15/05/2018.
[7] Aqui,
merecem destaque o julgamento da Apelação Cível Nº 0046876-13.2018.8.25.0001,
pelo TJ-SE, e dos Embargos de Declaração Cível Nº 0734491-56.2019.8.07.0001,
pelo TJ-DF, que negaram a executividade. Já em sentido contrato, nas decisões
das Apelações Cíveis Nº 10000190426403001 e 2011271-06.2022.8.26.0000,
respectivamente, pelo TJ-MG e pelo TJ-SP, foi reconhecida essa
executividade.
Autores:
Yan Viegas da
Silva é sócio da área de
Direito Societário e Contratos do escritório Silveiro Advogados.
Fernanda
Magni Berthier é
acadêmica de Direito da UFRGS e estagiária de Silveiro Advogados.
Fonte: ConJur