A resolução do CNJ 452, de 22 de abril de
2022, alterou a redação da Resolução nº 35, para introduzir alguns parágrafos
ao art. 11.
A novidade permite não só que os herdeiros
e o meeiro nomeiem inventariante em escritura anterior à partilha ou à
adjudicação, mas que a este sejam concedidos poderes inclusive para o
levantamento de quantias para pagamento do imposto devido e dos emolumentos do
inventário.
Em regra, o levantamento de quantias antes
da conclusão do inventário depende de um alvará judicial. Trata-se de ato
judicial de cognição sumária para análise da viabilidade ou não de sua
concessão. Os próprios autores tiveram essa experiência, atuando em varas de
família, ao deferir tais pedidos.
Agora, com a desjudicialização dos
divórcios e dos inventários, nada mais natural que seja permitido também que
tais levantamentos sejam feitos sem necessidade de intervenção judicial,
mediante escritura pública feita por tabelião de notas, que tem fé pública, é
selecionado por concurso e fiscalizado pelo Poder Judiciário, que lhe atribui e
exige severas responsabilidades.
Alguns podem dizer que estamos agora
diante de um alvará extrajudicial. Mas por opção semântica, propomos diversa
denominação, tendo em vista as repercussões que podem levar essa adoção. Assim,
esse ato notarial é de escritura pública de nomeação de inventariante com autorização
notarial para pagamento de tributos.
Pela própria origem etimológica da palavra
alvará, esta indica a confirmação de direitos de alguém ou a concessão de
privilégios particulares. E o juiz, ainda que no desempenho de uma atividade
administrativa, é sem dúvida uma autoridade que pode deferir ou indeferir os
requerimentos formulados.
Já o tabelião, ainda que dotado de
imparcialidade jurídica e com determinada carga criativa, não tem poderes
análogos ao do juiz e não lhe cabe deferir ou indeferir qualquer pedido de
levantamento, como se fosse um alvará judicial. Essa nova modalidade de
alvará deve ser considerada consensual porque é fruto da vontade unânime dos
herdeiros maiores e capazes. A função do tabelião nesse caso é de
instrumentalizar a vontade das partes e elaborar uma escritura, a qual
permitirá que o inventariante consiga levantar os valores do de cujus
destinados ao pagamento de dois tipos de tributos: o ITCMD (ITCD em alguns
Estados) e os emolumentos do inventário.
É louvável que sejam ampliadas as
atribuições das competências extrajudiciais, o que já defendemos em outro
artigo - um passo adiante -, principalmente por acumularmos a experiência de
quem trabalhou no âmbito judicial e agora atua no extrajudicial.
Porém, é preciso que essas novas
atribuições sejam pautadas por um juízo prudencial - inerente à atividade
extrajudicial -, merecendo uma decantação por parte das Corregedorias dos
Estados.
Uma sugestão que fazemos que parece
profilática é que os valores destinados aos pagamentos dos referidos tributos
não sejam literalmente levantados (sacados) pelo inventariante - que deverá
prestar contas aos demais herdeiros -. Em vez disso, basta que o inventariante
apresente as próprias guias do ITCMD devidamente mencionadas na escritura para
fazer seus recolhimentos nos bancos onde os valores já estivessem depositados
ou a cargo destes. Assim, somente o valor exato do ITCMD sairia da conta da
pessoa falecida, o que é mais seguro para os herdeiros, para as instituições
financeiras e até para o inventariante. Naturalmente que, para a emissão das
guias, será necessária a prévia feitura das declarações à apuração do valor
devido a título desse tributo. Tudo isso de forma a evitar que houvesse
retirada de valores em montante superior ao efetivamente devido.
Já com relação aos emolumentos do tabelião
escolhido para lavrar o inventário, o pagamento será realizado de forma análoga
e segura, mediante transferência bancária, com toda publicidade e segurança
inerente do ato, sob sua responsabilidade, de acordo com a tabela vigente,
ficando esse valor sob a guarda do notário, a título de depósito prévio, até a
finalização do inventário.
As cautelas acima fazem com que o
inventariante não precise sacar ou transferir para sua conta pessoal nenhum
valor que não seja seu, liberando-o de depois ter que prestar contas.
Adicionalmente, essa forma mostra preocupação com a segurança pública, já que
em muitas cidades são grandes os riscos de roubos nas saídas dos bancos, além
de golpes diversos com o "pix".
Os valores do ITCMD por vezes são elevados
e é grande a responsabilidade de qualquer pessoa que recebe em sua conta o
total destinado a esse pagamento, em vez de simplesmente o valor ser direta e
imediatamente pago aos cofres estaduais, o que também é mais seguro para a
própria Fazenda Pública, evitando inadimplências.
Não raro os tabeliães recebem de seus
clientes os valores do ITCMD para em seguida efetuar o pagamento das guias, com
toda a responsabilidade que isso envolve. O pagamento direto, como acima propugnado,
evitaria essa desnecessária guarda de valores de terceiros.
Já os emolumentos, que se destinam ao
tabelião, acrescidos dos devidos repasses aos órgãos de direito, devem sim
ficar sob a custódia do notário escolhido pelos herdeiros, evitando-se que o
inventariante faça qualquer uso indevido dessa quantia, que não lhe pertence e
cuja inadimplência poderia prejudicar os demais herdeiros.
A forma acima defendida tende a acelerar o
término do inventário, que certamente é uma das finalidades da alteração
promovida pelo Conselho Nacional de Justiça. Até aqui, quem precisava dos
recursos do próprio de cujus para fazer os pagamentos desses tributos, se via
compelido a procurar a via judicial. Agora na via extrajudicial pode ser feito
o mesmo com maior velocidade, ante a desnecessidade de alvará judicial.
Com a alteração salutar feita pelo
Provimento 452, há mais estímulo para que seja procurada a via extrajudicial,
com menos sobrecarga para o Poder Judiciário. Mas, para que sejam preservados
os objetivos visados pela nova regra, convém que sejam tomadas as cautelas
acima, para a proteção do próprio inventariante, dos herdeiros, das
instituições financeiras, da Fazenda Pública e dos próprios notários, evitando
assim possíveis litígios que poderiam estimular algum retrocesso nos avanços
desjudicializantes até aqui obtidos.
A utilização do inventário feito em
cartório desde o início, apenas para nomear o inventariante e pagar os
tributos, deve ser estimulada e preservada, para que atenda bem a população e à
advocacia, previna qualquer ilicitude e realize justiça rápida e eficaz,
mantendo-se distintas as funções judiciais e extrajudiciais, que se
complementam por dialética platônica.