VAGAS DE GARAGEM em condomínio edilício podem ser objeto de Usucapião
porém essa hipótese demanda o exame cuidadoso de alguns aspectos. O caso aqui é
diferente daqueles onde determinado espaço pode ser usucapido inclusive sob a
alegação de que serve de garagem (e por isso, tem utilização dada pelo
interessado na aquisição via usucapião). Nos casos de Vagas de Garagem em
condomínio doutrina e jurisprudência ressalvam desde já a IMPOSSIBILIDADE de
Usucapião quando o “espaço” destinado para o estacionamento do automóvel for
uma “vaga indeterminada” ou “garagem coletiva” quando não haverá posse
exclusiva e sim mero “direito de uso”, comumente regulamentado pelo Condomínio
(então titular das áreas assim designadas) que poderá redistribuir (por
sorteio) periodicamente o direito de uso dos espaços – tudo conforme regras de
eventual Convenção Condominial (art. 1.332 do CCB).?
Como sempre alertamos, a Usucapião é a consolidação de uma situação
fática que estabelece a propriedade da coisa (móvel ou imóvel) e ocorrerá se e
somente se preenchidos os requisitos exigidos por Lei, de acordo com a
modalidade pretendida – principalmente o requisito COISA HÁBIL, já que coisas
podem ser ocupadas mas nem todas usucapidas…?
A doutrina de BENEDITO SILVÉRIO (Tratado de Usucapião. 2012) esclarece a
esse respeito:?
“No que concerne à questão da VAGA DE GARAGEM, também chamada de espaço
de estacionamento, como unidade autônoma e correspondendo a uma FRAÇÃO IDEAL do
terreno, com localização e confrontações especificadas, não emerge impedimento
à aquisição por usucapião cujo objetivo será a regularização do título
dominial. Para que a vaga de garagem possa ser considerada UNIDADE AUTÔNOMA,
deve corresponder a uma fração ideal no terreno, cabendo seja claramente
identificada, em relação ao espaço que ocupe no prédio, de modo a
INDIVIDUALIZÁ-LA. Por fim, é necessário ainda que o espaço individualizado da
vaga esteja averbado no REGISTRO IMOBILIÁRIO e que os espaços de garagem
estejam descritos de forma precisa na especificação do condomínio. (…) Sendo”
indeterminada “a vaga em garagem, também chamada GARAGEM COLETIVA, sem locação
física, em que o exercício da posse não é exclusivo, mas sim de TODA A
COMUNIDADE CONDOMINIAL, descabe usucapião para o fim de ser declarado o
domínio”.?
A doutrina especializada do Registrador Imobiliário, MARCELO COUTO
(Usucapião Extrajudicial. 2021) sinalizando a impossibilidade da Usucapião
sobre vaga indeterminada acrescenta ainda duas outras hipóteses onde a
Usucapião poderá ser alcançada (inclusive pela via Extrajudicial) :?
“Se a vaga tiver existência como unidade autônoma, assim constituída no
instrumento de instituição condominial, com fração ideal própria, poderá ser
usucapida como qualquer outra unidade autônoma, conforme a demonstração de
POSSE EXCLUSIVA pelo prazo legal. (…) Por fim, tem-se a terceira situação, que
se verifica quando a vaga de garagem for parte de uso exclusivo de OUTRA
unidade autônoma. É comum que apartamentos tenham direito de uso sobre vagas de
garagem demarcadas e individualizadas no condomínio. Se a pretensão aquisitiva
for de vaga de garagem constituída desta forma, o pedido será formulado apenas
em face do titular da unidade autônoma à qual o direito de uso da vaga está
inserido. Se for demonstrada a aquisição pela usucapião, com o preenchimento de
todos os requisitos legais, a vaga usucapida poderá ser objeto de matrícula
própria, como unidade autônoma, ou ser acrescida aos direitos de uma outra
unidade titularizada pelo usucapiente”.?
É sempre importante a análise detida das particularidades de cada caso
de usucapião, já que ainda que se trate de ÁREA COMUM, podemos estar diantes de
fenômenos importantes em sede de Usucapião como a INTERVESIO POSSESSIONIS e a
SUPRESSIO:?
“TJMG. 10024111191979001/MG. J. em: 10/03/2020. APELAÇÃO CÍVEL –
USUCAPIÃO – CONDOMÍNIO – ÁREA COMUM – VAGA DE GARAGEM – CONSTRUÇÃO AUTORIZADA
EM ASSEMBLEIA DE CONDOMÍNIO – UTILIZAÇÃO COM EXCLUSIVIDADE – EXPECTATIVA DO
PROPRIETÁRIO – SUPRESSIO – PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. Em casos excepcionais,
admite-se usucapião sobre áreas comuns específicas, especialmente se não houver
oposição por parte dos demais condôminos. No caso dos autos, a construção da
garagem em área comum do edifício foi autorizada em Assembleia de Condomínio
realizada em 1991, sendo que a obra foi custeada pelo apelante, que exerce a
posse de forma exclusiva, mansa, pacífica, com ânimo de dono e sem qualquer
oposição, e inclusive aluga a vaga para outros moradores do edifício. In casu,
ocorreu o fenômeno da SUPRESSIO, fundada na boa-fé objetiva, uma vez que o
condomínio apelado poderia ter adotado as providências cabíveis desde a
construção da garagem em 1991, mas manteve-se inerte, criando a expectativa,
justificada pelas circunstâncias, de que o direito que lhe correspondia não
seria mais exercido. Deve ser reconhecido o direito dos apelantes à aquisição
da vaga de garagem por usucapião, devidamente delimitada e de uso exclusivo do
condômino, sendo sua posse mansa, pacífica e com ânimo de dono”.