Na renúncia à concorrência sucessória, a par de não
haver transação sobre herança de pessoa viva, o cônjuge declina de um direito,
eliminando, destarte, qualquer interesse acerca da não preservação da vida do
consorte.
I
- A INDESEJADA E INCONVENIENTE CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA DO CÔNJUGE OU
COMPANHEIRO CUJA UNIÃO É PRESIDIDA PELO REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS
O
Código Civil, no artigo 1829, deferiu a concorrência sucessória ao cônjuge. Por
consequência, todos aqueles casados sob o regime da comunhão parcial, como
também aqueles consorciados sob a égide do regime da separação de bens passaram
a concorrer com os descendentes - e, na falta destes, com os ascendentes-, à
herança deixada por aquele que, em primeiro lugar, vier a falecer.
Rompendo,
desse modo, com a tradição de nosso direito e chocando frontalmente com as
regras que permitem aos nubentes optar pelo regime de bens que melhor lhes
aprouver, entre eles o da separação total de bens, o Código Civil outorgou ao
cônjuge ou companheiro sobrevivente do consórcio presidido pelo regime da
separação total a condição de herdeiro concorrente com os descendentes do
consorte falecido.
Ou
seja, muito embora pelo regime da separação convencional não se comuniquem os
bens pertencentes a cada um dos consortes, mantendo-se eles, durante o matrimônio
ou união estável, sob
a
exclusiva administração e livre disposição de cada um deles, o Código Civil
conferiu ao cônjuge ou companheiro sobrevivente do relacionamento celebrado sob
tal regime a condição de herdeiro em concorrência com os descendentes do
falecido.
Tudo
sob o pálio de não relegar aquele que já se achava desprovido de meação à
míngua. Ora, ainda que o argumento pudesse prevalecer - o que não ocorre porque
o mesmo e idêntico direito foi conferido ao cônjuge casado sob o regime da comunhão
parcial que, como cediço, sempre teve como seu direito a meação dos bens
adquiridos onerosamente na constância da união -, o certo é que, ao assim
estatuir, eliminou o Código Civil a única possibilidade de - por livre escolha
- lograrem os consortes fazer reger a união por um regime de plena e total
incomunicabilidade. Com a superveniência da regra do art. 1.829, I, do Código
Civil, deixou o direito brasileiro de contemplar um único regime que pudesse
ser alcunhado de plena e total separação de bens. Aquele atualmente regulado
pelo art. 1.687, do Código Civil é de separação de bens em vida, de nada
valendo, post mortem, a vontade externada em pacto.
Ora,
se os nubentes subscrevem o pacto almejando sacramentar o regime de absoluta
separação de bens, permitir a quebra dessa manifestação de vontade após a morte
de quem a externou significa, por óbvio, vilipendiá-la.
Não
obstante, a observância literal, estrita e cega da norma do art. 1.829, I, do
Código Civil, reina absoluta em nossa jurisprudência.
É
bem verdade que, no ano de 2009, ou seja, após quase oito anos do início da
vigência do Código Civil, o STJ fez proclamar, por duas vezes, que admitir que
o consorte unido ao falecido sob o regime da separação convencional de bens se
tornasse herdeiro, significaria 'clara antinomia entre os artigos 1.829, I, e
1.687 do CC/02, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da lei
codificada e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, deve
prevalecer a interpretação que conjuga e torna complementares os citados
dispositivos. No processo analisado [...] a ampla liberdade advinda da
possibilidade de pactuação quanto ao regime matrimonial de bens, prevista pelo
direito patrimonial da família, não pode ser toldada pela imposição fleumática
do direito das sucessões porque o fenômeno sucessório 'traduz a continuação da
personalidade do morto pela projeção jurídica dos arranjos patrimoniais feitos
em vida'(1).
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artigo.
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1
STJ, REsp 992749, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 01.12.2009.
"[...] No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente
concorre com os descendentes do falecido, sendo apenas afastada a concorrência
quanto ao regime de separação legal de bens previsto no art. 1.641, do Código
Civil [...]" (STJ, REsp 1.830.753-RJ, 3ª Turma, rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, j. 03.12.2019); "O convivente sobrevivente vinculado ao
regime de separação convencional de bens, diferentemente do regramento
correlato à separação obrigatória, ostenta a condição de herdeiro necessário e
concorre com os descendentes do falecido, a teor do que dispõe o art. 1.829, I,
do CC/2002. Precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça. Determinação de
confecção de novo plano de partilha, com a inclusão da agravante na qualidade
de herdeira concorrente dos bens adquiridos após a firma do contrato de
convivência. Os bens adquiridos anteriormente deverão ser considerados objeto
de meação, inclusive para fins tributários, ante a impossibilidade de concessão
de efeitos retroativos ao pacto correspondente ao regime patrimonial de
regência da união estável" (TJSP, AI 2060912-65.2019.8.26.0000, 2ª Câm.
Dir. Privado. Rel. Des. Rosangela Telles, j. 28.11.2019).
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Priscila Corrêa da Fonseca é sócia do escritório Priscila
M. P. Corrêa da Fonseca Advocacia.
Fonte:
Migalhas