O STF assentou recentemente a possibilidade de
Usucapião de Apartamento (RE 305.416, j. em 28/08/2020)
A usucapião é um importante instrumento reconhecido tanto na
matriz constitucional (art. 183) assim como na legislação infraconstitucional
(especialmente no Código Civil). Com o advento do novo CPC/2015 abriu-se a possibilidade
da realização do procedimento de forma mais rápida e menos custosa (já que mais
célere) pela via extrajudicial, diretamente nos Cartórios Extrajudiciais, com
assistência obrigatória de Advogado.
A usucapião extrajudicial
Desde 2015, por ocasião do art. 216-A da Lei de Registros
Públicos (Lei 6.015/73), incluído pela Lei 13.105/2015 - Novo Código de
Processo Civil - passou a ser possível no Brasil a realização da Usucapião pela
via administrativa - sem processo judicial - com assistência obrigatória de
Advogado, diretamente nos Cartórios Extrajudiciais, na mesma toada da chamada
"desjudicialização" que já temos desde 2007 com Inventário,
Separação, Divórcio e Partilha pela via Extrajudicial.
Em resumo, o procedimento inicia-se com a lavratura da ATA
NOTARIAL no Cartório de Notas e prossegue no Cartório do Registro de Imóveis
com efetivamente a tramitação em busca do RECONHECIMENTO DA USUCAPIÃO
EXTRAJUDICIAL, tudo nos moldes do citado art. 216-A da LRP, com regulamentação
em âmbito nacional ditada pelo CNJ.
Muito importante é destacar desde já que a Usucapião
Extrajudicial não se trata de uma nova espécie de usucapião mas sim uma nova
via, muito mais célere e dinâmica, sem juiz, sem processo judicial e
audiências, onde a mesma solução que se obtém na Justiça pode ser alcançada de
modo muito mais proveitoso e rápido, especialmente depois da regulamentação do
CNJ e das modificações operadas pela Lei 13.465/2017.
O julgamento do STF (RE 305.416)
O caso julgado pelo STF agora em 28/08/2020 tratou exatamente
da aplicação da forma prevista no art. 183 da Constituição Federal
("Usucapião Especial Urbana", também conhecida como "Usucapião
Constitucional" ou ainda, "Usucapião Pró-moradia"), que tem como
requisitos: área urbana máxima de 250mts2, utilização como moradia, posse
tranquila e sem oposição e não possuir o requerente outro imóvel.
No caso em questão tanto o juízo de piso quanto o Tribunal
Gaúcho entenderam pela inaplicabilidade da usucapião que encontra matriz na
Carta Maior ao caso em tela, todavia, o STF deu provimento - POR UNANIMIDADE -
para reconhecer a possibilidade da usucapião de apartamentos no contexto
delineado no artigo 183 da CRFB/88, determinando assim o afastamento do óbice
levantado pelas instâncias inferiores, pelo prosseguimento do feito (iniciado
em 29/12/1997).
A usucapião extrajudicial de apartamentos
Não é de hoje que a jurisprudência e a doutrina sinalizam a
possibilidade de aplicação da Usucapião na modalidade Constitucional também aos
apartamentos - o que nos causa até certo espanto o fato de tal questionamento
ter chegado até a Corte Suprema. De toda forma, sempre salutar, mesmo que
passados praticamente 23 (vinte e três anos) para que houvesse a pronúncia do
STF, na medida em que espera-se que as instâncias inferiores (e aqui ouso
incluir também os ilustres NOTÁRIOS e REGISTRADORES, que agora lidam com a
Usucapião pela via extrajudicial) observem a orientação do Supremo.
Segundo lição dos ilustres MARCO AURELIO BEZERRA DE MELLO e
JOSÉ ROBERTO MELLO PORTO (Posse e Usucapião - Direito Material e Direito
Processual. 2020):
"Importante considerar que uma das habitações mais
comuns nos grandes centros urbanos é o APARTAMENTO e, por tal motivo, não se
pode excluir da incidência da usucapião pró-moradia a unidade autônoma
vinculada a CONDOMÍNIO EDILÍCIO, estando incluída tal hipótese no conceito de
ÁREA URBANA a que se refere a Lei. No tocante à metragem, deverá ser somada a
ÁREA EXCLUSIVA DA UNIDADE AUTÔNOMA com a FRAÇÃO IDEAL do respectivo terreno a
fim de se perquirir se extrapola ou não os 250 metros quadrados previstos em
Lei".
Efetivamente não são poucos os casos de Usucapião que
lidamos envolvendo apartamentos, como muito bem ilustrado no caso julgado pelo
STF. Tem-se notícia inclusive do Enunciado nº. 85 da Jornada de Direito Civil
da Justiça Federal que reza:
"Para efeitos do art. 1.240, caput, do novo Código
Civil, entende-se por "área urbana" o imóvel edificado ou não,
inclusive unidades autônomas vinculadas a condomínios edilícios".
A jurisprudência do TJRJ com acerto, já há tempos, reconhece
a aplicação da modalidade de Usucapião do art. 183 da CF também para
apartamentos:
Usucapião urbano especial. Apartamento construído em área
urbana. Entendimento de que essa modalidade aquisitiva da propriedade só' se
aplica ao terreno. Provimento do apelo. Admissibilidade do processamento. A
Constituição da República admite a aquisição através de usucapião urbano da
área de terra não excedente a duzentos e cinquenta metros quadrados, por quem a
possuir como sua, ininterruptamente e sem oposição por cinco anos, mas
condiciona a sua finalidade a que seja utilizada como moradia própria ou da
família do possuidor. Fica evidente, assim, o intuito do legislador
constituinte em possibilitar a aquisição da propriedade através dessa
modalidade especial de usucapião não só' do terreno, mas, principalmente, do
imóvel construído, desde que o seja em área urbana em terreno que não exceda as
dimensões previstas, atendidos os demais requisitos. Tal conclusão se impõe
diante da finalidade traçada no texto constitucional, porque para que haja uma
moradia é necessário que exista uma construção no terreno. Provimento que se
da' ao apelo, para cassar a sentença extintiva do processo e determinar o seu
prosseguimento, a fim de possibilitar a demonstração de estarem presentes os
demais requisitos legais.(MCG) (TJ-RJ - APL: 00029051819968190000 RIO DE
JANEIRO CAPITAL 17 VARA CIVEL, Relator: AFRANIO SAYAO, Data de Julgamento:
06/03/1997, DÉCIMA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 14/05/1997)
Dito isto, com base tanto na doutrina e na jurisprudência -
mais agora com a chancela do STF - acreditamos não haver mais espaço para
questionamento sobre a possibilidade de Usucapião de Apartamentos - seja ela
pela via JUDICIAL, seja ela pela via EXTRAJUDICIAL - dentro dos requisitos
exigidos pela modalidade do art. 183 da CRFB/88, que no dizer de MARCELO DE
REZENDE CAMPOS MARINHO COUTO (Usucapião Extrajudicial - Doutrina e
Jurisprudência. 2019) são:
a) área urbana;
b) área com até 250m2;
c) prazo de 5 anos;
d) destinação: moradia própria ou de sua família;
e) condição: indivíduo não proprietário de outro imóvel
urbano ou rural;
f) condição: indivíduo não beneficiado com esse direito
anteriormente.
A problemática dos apartamentos financiados e a
possibilidade da ocorrência de Usucapião mesmo nessa condição
Como sabemos, a posse exercida pelo ocupante/devedor durante
o prazo de vigência do financiamento não lhe conduzirá à Usucapião, em qualquer
modalidade. O grande ponto a ser observado no exame do caso concreto será a
ocorrência da interversão da posse, por exemplo, fato que uma vez evidenciado
juntamente com a reunião dos demais requisitos exigidos para a modalidade de
usucapião pretendida poderá sim levar o pretendente ao reconhecimento da
Usucapião pela via judicial ou extrajudicial.
Mesmo nos casos de imóveis financiados pela Caixa Econômica
Federal (onde a jurisprudência abraça a tese do "descabimento da
aquisição, por usucapião, de imóveis vinculados ao SFH, tendo em vista o
caráter público dos serviços prestado pela Caixa Econômica Federal na
implementação da política nacional de habitação" (AgInt no REsp
1712101/AL, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado
em 15/05/2018, DJe 21/05/2018) uma vez evidenciado, por exemplo, a interversão
da posse, o reconhecimento da propriedade através da usucapião pode ser
possível - ou ainda, quando o imóvel for objeto de financiamento pela CEF mas
sem a finalidade pública (como nos financiamentos do SFH ou do PMCMV) como já
reconheceu a jurisprudência do TRF2, inclusive:
CIVIL. PROCESSO CIVIL. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. (...).
ART. 183 DA CRFB/88. BEM PERTENCENTE A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. POSSIBILIDADE
DE USUCAPIÃO NA HIPÓTESE DE INEXISTÊNCIA DE FINALIDADE PÚBLICA. (...). 2. A
possibilidade de os bens da Caixa Econômica Federal serem adquiridos por
usucapião decorre da sua natureza de pessoa jurídica de direito privado, que
realiza atividade tipicamente econômica (realização de empréstimos e
financiamentos) em concorrência com outras instituições financeiras privadas,
como já reconheceu o Supremo Tribunal Federal. (STF - RE: 536297 , Relator:
Min. ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 16/11/2010, Data de Publicação: DJe-226
DIVULG 24/11/2010 PUBLIC 25/11/2010) 3. Há que se atentar para a distinção
entre o imóvel, integrante do patrimônio da CEF, atrelado a fins públicos, como
o são aqueles objeto de financiamento no âmbito do Sistema Financeiro de
Habitação e demais programas habitacionais, como o Minha Casa, Minha Vida, e
aqueles que não se encontram vinculados a fins públicos, justificando-se, para
os primeiros, a insuscetibilidade de aquisição via usucapião. Precedentes desta
e. Corte. (...) (TRF-2 - AC: 00019552420054025101 RJ 0001955-24.2005.4.02.5101,
Relator: ALUISIO GONCALVES DE CASTRO MENDES, Data de Julgamento: 26/03/2014, 5ª
TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 04/04/2014)
Como visto, em se tratando de questões imobiliárias,
especialmente relacionadas ao assunto USUCAPIÃO, é de suma importância a
análise de todo o caso concreto em seus detalhes pelo Advogado Especialista
pois pode ser que estejam presentes os requisitos para o reconhecimento da
prescrição aquisitiva - hoje em dia podendo ser resolvido pela via
extrajudicial ou ainda pela via judicial.
Fonte: Direito Net