A ação de produção antecipada de provas, a partir do Código
de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), ganhou novos contornos jurídicos e
tornou-se estratégica alternativa de aferição prévia em contextos de questões
técnicas nebulosas ou litígios cuja exatidão não é inicialmente bem definido ou
conhecido.
Antes, na vigência do anterior Código de Processo Civil de
1973 (CPC/1973), embora já prevista, a produção antecipada de provas era
atrelada à cautelaridade e à necessidade de urgência, cuja utilização, mais
limitada, operacionalizava-se por procedimento cautelar específico em situações
de urgência.
Com o advento do CPC/2015 e a edição dos artigos 381
a 383, o instituto ganha uma nova roupagem sob a perspectiva dos
princípios da eficiência, do contraditório e até mesmo da colaboração entre as
partes. Se antes era reconhecido por sua natureza cautelar e vinculado ao requisito
da urgência, agora mostra-se como processo autônomo, sem o peso do requisito da
urgência, proclamando-se como efetivo meio de prevenção ou resolução de
conflitos, seja para avaliar a pertinência do ajuizamento de demandas (e logo
tem o sereno papel de evitar as malsucedidas ou não fundamentadas), seja para
avaliar a existência de um direito concreto, ponte para possibilidade de
composição.
Nessa nova leitura, compreende-se a produção antecipada de
provas como mecanismo fundamental posto à disposição dos jurisdicionados para
produzir uma prova diante de fatos não necessariamente conhecidos na
plenitude ou cujos efeitos não podem ser dimensionados de antemão. Permite
analisar com a maior precisão possível todos os benefícios e desvantagens de
sua posição antes do ingresso da demanda superveniente. Permite à parte,
portanto, compreender em melhor medida qual o seu direito e todas as
possibilidades e os riscos existentes.
Não só. A utilização da técnica traz ainda outras vantagens.
O conhecimento adequado acerca dos fatos e das provas poderá fornecer o
embasamento para que o jurisdicionado possa melhor conduzir eventual ação
judicial, em harmonia com os princípios da celeridade processual e da
eficiência, eis que o processo poderá dedicar-se com precisão ao seu objeto,
evitando-se gastos (de tempo e de recursos financeiros) com provas e medidas
desnecessárias para a solução da lide.
Vantagem outra permitida pela técnica é a correta
atribuição, na medida do possível, do valor da causa. É aspecto que deve ser
levado em consideração. Em muitos casos, é difícil tarefa atribuir valor
econômico à demanda, como, por exemplo, em discussões de reparabilidade privada
cujo pano de fundo tem cunho ambiental. Some-se a isso o fato de que, caso um
elevado valor seja incorretamente atribuído à ação,
há incontinenti maior risco de sucumbência ao litigante.
Muito embora seja quase um consenso que inexiste valoração
da prova no âmbito da ação de produção antecipada de provas, a afirmativa não
é, em toda interpretação, absoluta. A despeito de inexistir valoração da prova
pelo juiz, é inescapável, como ensina Flávio Luiz Yarshell [1], que os meios de provas produzidos no
âmbito da produção antecipada de provas serão, sem dúvidas, objeto de valoração
pelas próprias partes, que também são agentes processuais. Dessa forma, é
plenamente concebível uma avaliação concreta e fundamentada acerca da efetiva
posição em relação ao acertamento do direito em discussão.
Da mesma maneira que uma prova contundente possa incentivar
o ajuizamento de posterior ação cabível, há cenários em que o resultado obtido
no bojo da produção antecipada de provas levará também à composição amigável ou
à decisão de não se discutir o direito oportunamente, porque inexistente ou não
materializado em sua plenitude naquele tempo e espaço. Poderá, logo se vê,
fazer vezes de efetivo meio de resolução de conflito, ao lado, em sua medida,
de técnicas como a mediação, a conciliação e a arbitragem.
Como mencionado, a ação de produção antecipada de provas,
agora autônoma, desvincula-se do regresso caráter obrigatório de urgência para
que seja possível, bastando-se admitir a possibilidade de concessão de
tutela provisória quando houver de fato urgência na produção da prova.
Uma vez identificadas as vantagens e características do
instituto, é possível apontar, como fez Marcelo José Magalhães Bonizzi [2] em sua obra, certa analogia — sem
descurar das inúmeras diferenças — entre a produção antecipada de provas e a
técnica do discovery [3], amplamente empregada no sistema
processual norte-americano previamente ao litígio. É inegável enxergar certa
inspiração ou, ao menos, utilidade analógica.
A técnica do discovery é amplamente utilizada em
países de tradição anglo-saxã. Conforme ensinam Elizabeth Fahey e Zhirong
Tao [4], a técnica do discovery permite
às partes ter maior detalhamento do caso e conhecimento acerca dos benefícios e
das desvantagens envolvidas em sua pretensão, o que possibilita uma maior
margem para se estimar as chances de sucesso ou informações suficientes para que
se decida pela realização de um acordo. Há naturalmente outras importantes
nuances que permitem diferenciação.
No âmbito do discovery, como afirma Oscar Chase [5], a produção da prova tende a ser mais
desjudicializada, eis que os advogados dos litigantes podem buscar provas fora
do tribunal, porque estão respaldados pela autoridade da corte em exigir a
cooperação dos adversários e terceiros. Isso permite às partes maior autonomia
na condução dessa atividade, embora também maior campo para possíveis abusos,
haja vista que não há estrito controle do Judiciário.
Por sua vez, no Brasil, a produção antecipada de prova
ocorre em meio estritamente judicial e, como ensina Arthur Arsuffi [6] em sua obra, a atividade do
magistrado tende a ser mais ativa e participativa, principalmente em razão do
princípio de colaboração e de previsões legais autorizando a atividade
probatória por parte do juiz, o que evita, em certa medida e com olhar
elogioso, a prática de abusos, como ocorre no âmbito do discovery.
A técnica do discovery se caracteriza pela plena
aptidão de qualquer uma das partes poder livremente analisar, de forma
exaustiva, a documentação do adversário, possibilitando a utilização de
informações obtidas para fins amplos. Como aponta Érica Gorga [7], o emprego do discovery permite
investigação minuciosa e produção de provas, a partir da averiguação de fatos,
pautada em busca ampla de documentos relevantes para a controvérsia e de
testemunhas extrajudiciais. E mesmo a vertente de exibição de documentos, tão
inerente ao discovery, é compatível [8] com a produção antecipada de provas
nacional.
A grande semelhança, ao menos de utilidade, entre as
técnicas se dá justamente em sua finalidade de delimitar precisamente os fatos
e as provas previamente ao início do litígio, o que traz importantes elementos
aos litigantes para que possam tomar suas decisões. Em outras palavras, tanto
o discovery como a produção antecipada de provas permitem que as
partes possam acessar ao máximo o material probatório subjacente ao conflito,
tendo a oportunidade de exercer por si atividade valorativa sobre ele antes de
optarem ou não por assumirem os riscos e os custos de um litígio acerca do
Direito material [9]. Ambas as técnicas representam uma forma
de libertação à rigidez processual, permitindo muitas vezes a moldagem de um
procedimento adequado e específico ao caso concreto e a construção de
consistentes teses.
Em razão de sua relevância e como tem ocorrido com a técnica
do discovery, é esperado que cada vez mais a técnica da produção
antecipada de provas ganhe espaço no Brasil e seja vista pelo mercado jurídico
como uma importante ferramenta à disposição tanto para o melhor delineamento e
eficiência da lide como para resolução de conflitos.
No ramo do Direito Ambiental, por exemplo, há inúmeros
exemplos (verificação de danos e impactos ambientais, questões relacionadas ao
licenciamento ambiental, existência ou não de nexo de causalidade, entre
outras) em que a técnica pode ser muito útil para zelar pela melhor qualidade
da prova, bem como pela celeridade e menor onerosidade de eventual demanda. É
uma esperança diante da experiência prática de que, não raro, a solução dos conflitos
de cunho ambiental traz desafios temporais.
Em muitas situações em que se discutem questões de Direito
Ambiental, como aduz Rodrigo Jorge Moraes [10], o
conhecimento prévio da situação fática, da colheita de provas por meio de
procedimento célere, antes do início do litígio, servirá como instrumento mais
seguro e eficiente, a possibilitar a definição da estratégia adequada e a
correta dimensão da disputa, evitando principalmente excessivo gasto de
recursos financeiros e de tempo. Nessa medida, a produção antecipada de provas
é tida como instrumento hábil a investigar questões ambientais, de modo a
fornecer elementos concretos para a tomada de decisões comedidas.
Da mesma forma, o manejo da produção antecipada de provas no
Direito Ambiental do Trabalho poderia reduzir drasticamente o número de ações
que pululam na Justiça do Trabalho.
Com a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, a
simplificação da resolução conflitos encontrou guarida nos artigos 855-B e
seguintes da CLT, que preveem a possiblidade de conciliação extrajudicial.
Neste cenário, a utilização da ação de produção antecipada de provas se faz de
grande valia, desde que a parte declare expressamente qual o escopo da medida.
Ação comum, que poderia ser facilmente resolvida nestes
termos, é a que o empregado entende fazer jus aos adicionais de insalubridade
e/ou periculosidade. Bastaria o empregado ingressar com a ação de produção
antecipada de provas, pleiteando a realização de prova pericial e, uma vez
realizado o trabalho técnico, optar (ou não) em ajuizar a ação trabalhista com
tais pedidos. A realização de perícia técnica nesse caso poderia não só evitar
o ajuizamento da reclamação trabalhista, mas também facilitar a possibilidade
de autocomposição ou ainda fornecer importante elemento probatório, acelerando
ainda mais o trâmite da ação.
Como se vê, a ação de produção antecipada de prova, nos
termos no CPC/2015, em reflexo de técnicas já adotadas em outros países,
apresenta-se como ferramenta de utilidade como meio eficaz de resolução de
conflitos, permitindo a um só tempo: 1) a apuração dos fatos envolvidos em
determinado conflito; 2) a análise das vulnerabilidades existentes que
inicialmente eram despercebidas; 3) a adoção de estratégias eficazes para o
alcance das pretensões almejadas; e 4) o impedimento de posturas temerárias,
amparadas no incompleto conhecimento acerca do direito em discussão, evitando a
onerosidade excessiva e afronta à celeridade processual.
Logo, é essencial maior atenção à sua utilização, bem como
uma alteração de postura por parte dos litigantes em vistas a todos
os fatores envolvidos, que muitas vezes, de início, não estão ao alcance das
partes para a mais acertada tomada de decisões.
Fonte: Consultor Jurídico