Apesar de abrir caminho para a mediação e conciliação, a
inovação apresenta dificuldades. Além de a cultura litigiosa ainda reinar no
Brasil, o projeto não viabiliza a coordenação dos interesses individuais de
todos os envolvidos na recuperação
O PL 6.229/05, de relatoria do deputado Federal Hugo
Leal, recentemente aprovado pela Câmara de Deputados, reúne diversas
proposições que tramitam no Congresso Nacional para modificação da Lei de
Recuperação Judicial e Falência (lei 11.101/05).
Muitas questões tratadas no PL 6.229/05 foram construídas
pela vasta jurisprudência já existente, como o reconhecimento da competência do
juízo recuperacional para a suspensão de constrições de bens considerados
essenciais e a possibilidade de recuperação judicial conjunta de empresas do
mesmo grupo econômico.
Outro exemplo de positivação de entendimento jurisprudencial
é a recuperação judicial do produtor rural, desde que comprovado o exercício da
atividade por um período mínimo de dois anos. Acerca desse ponto, o PL 6.229/05
traz inovações relevantes, como a exclusão – extraconcursalidade - da CPR e dos
créditos constituídos para aquisição de imóveis rurais nos últimos três anos.
O projeto apresenta melhorias consideráveis para o
procedimento de falência, com a fixação de prazo de venda dos ativos pelo
administrador judicial e prazo decadencial para habilitação retardatária de
crédito. A fim de possibilitar a reabilitação do empresário, o projeto ainda
prevê uma espécie de encerramento sumário da falência, para os casos de escasso
ou inexistente ativo para liquidação.
Os créditos trabalhistas também sofreram modificações
relevantes. Além da possiblidade de extensão do prazo de pagamento do credor
trabalhista na Recuperação Judicial, de um para dois anos, cumpridos alguns
requisitos, também será possível a inclusão do crédito trabalhista na
recuperação extrajudicial, desde que negociado com o sindicato, tratamento
descartado na lei em vigor.
O projeto ainda inaugurará a esperada regulamentação da
insolvência transnacional. O Brasil é um dos poucos países ocidentais que ainda
não possui legislação específica para enfrentamento de crises globalizadas, o
que, sem dúvida, contribuiu para o afastamento de investidores, especialmente
os estrangeiros. O PL 6.229 incorpora a Lei Modelo da Comissão para Legislação
em Comercio Internacional (UNCITRAL), com previsão de cooperação e coordenação
direta entre as jurisdições. Além da participação do Ministério Público como
fiscal da lei, foi mantida a competência do STJ para homologação de sentenças
estrangeiras.
Merece destaque a previsão, embora sem estímulos
significantes, do financiamento das empresas em recuperação ou DIP, alternativa
utilizada em algumas recuperações judiciais, para geração de caixa.
O PL 62.229 também prevê uma modalidade de recuperação
prévia, com a possibilidade de concessão de uma moratória de 60 dias – o
chamado stay period – para que as empresas tentem negociar suas dívidas com os
credores antes do pedido recuperacional.
Apesar de abrir caminho para a mediação e conciliação, a
inovação apresenta dificuldades. Além de a cultura litigiosa ainda reinar no
Brasil, o projeto não viabiliza a coordenação dos interesses individuais de
todos os envolvidos na recuperação, dificuldade afastada pelo procedimento
judicial, diante da existência do chamado concurso de credores - todos os
créditos, ressalvadas algumas exceções, sujeitam-se ao plano de pagamento
previsto no plano de pagamento.
Um dos pontos mais comentados é o “duplo caráter” assumido
pelo Fisco. O crédito tributário ainda precisa ser buscado nas execuções
fiscais, embora o projeto permita o parcelamento total do débito fiscal. Aliás,
um dos requisitos do parcelamento é o oferecimento de garantia para os débitos
discutidos em execuções fiscais ou decorrentes de outro parcelamento, benefício
não concedido aos credores extraconcursais.
Curiosa é a possibilidade de declaração de ineficácia de uma
alienação de ativos que implique em prejuízo ao Fisco ou ao credor
extraconcursal - nova situação de convalidação da recuperação em falência, por
esvaziamento patrimonial - questão tratada de maneira genérica, sem critérios
objetivos, lacuna que poderá inviabilizar um dos principais meios de
soerguimento das empresas, a venda de ativos ou unidades produtivas isoladas.
Apesar de inovador e complexo, o projeto não preenche
espaços importantes como a possibilidade de convalidação da recuperação em
falência quando constatado fraude ou tratamento diferencial de credor, questões
essas normalmente tratadas na falência. Eventuais limites para aplicação do
soberano princípio da preservação da empresa também foram ignorados, omissão
que ainda permitirá abusos de direito, como a suspensão indeterminada de
constrição de bens sob o pretexto de sua essencialidade.
Ao que parece, diante da dificuldade de coordenação dos
diversos interesses e setores envolvidos nos projetos de alteração da Lei de
Recuperação Judicial e Falência (produtores rurais, Fisco, trabalhadores,
administradores judiciais, bancos, empresários, juízes, mediadores, etc), o
projeto foi formatado para posterior complementação, tanto pela jurisprudência,
como pela edição de novas leis, assim como ocorreu na reforma de 2005.
Fonte: Migalhas