A partir da celebração do casamento
e da constituição da união estável, os cônjuges e companheiros passam a viver
uma plena comunhão de vida (art. 1.511 do CC) que produz efeitos pessoais e
patrimoniais. A possibilidade de comunicação de bens reclama a incidência de
estatuto patrimonial com disposições próprias a respeito da responsabilidade de
cada um dos cônjuges e companheiros por dívidas e obrigações, assim como sobre
o patrimônio que se separa ou se comunica entre eles. Daí o interesse em
definir o que deve constituir bem comum, porque os bens comuns serão
necessariamente partilhados entre os cônjuges e companheiros com a dissolução
do casamento ou da união estável, ainda em vida ou em razão da morte. Sem
prejuízo das disposições do pacto antenupcial (casamento) ou do contrato
escrito (união estável), que não são obrigatórios, é especialmente o regime de
bens adotado no casamento ou na união estável, como estatuto mínimo das
relações patrimoniais nessas uniões, que determinará as regras para identificar
os bens comuns, não só no interesse dos cônjuges e companheiros, mas
também no interesse de terceiros.
Cabe aos nubentes escolher
livremente o regime de bens de sua conveniência a ser adotado no casamento
(arts. 1.639 do CC). Se não lhes interessar o regime da comunhão parcial de
bens, que tem natureza supletiva, para escolher outro regime os nubentes
deverão fazer pacto antenupcial, por escritura pública, a ser levada tanto ao
Registro Civil como ao Registro de Imóveis. Assim, mediante o pacto antenupcial
os nubentes poderão escolher o regime de comunhão universal, de participação
final nos aquestos ou de separação convencional absoluta de bens, ou combinar
regras desses regimes. O Código Civil brasileiro ainda prevê o regime de
separação legal de bens para as pessoas que se casam com mais de 70 anos, para
os que dependem de autorização judicial para casar (falta de idade núbil) e
ainda para os que o fazem sem observar as causas suspensivas do casamento (art.
1.641 do CC). Os companheiros que vivem em união estável poderão, se não querem
a aplicação no que couber do regime da comunhão parcial de bens, compor um
regime próprio de bens mediante contrato escrito (art. 1.725 do CC).
Bem comum pode existir em todos os
regimes previstos na lei brasileira, inclusive no regime de separação
convencional ou absoluta.
Para definir bem comum é necessário
lembrar que os bens são todas as coisas com valor econômico e suscetíveis de
apropriação pelo homem. Há uma clássica distinção entre coisas e bens. Nem
todas as coisas são bens, porque existem coisas sem valor para o homem. Só as
coisas que têm valor econômico, e que podem ser objeto de direitos (objeto de
uma relação jurídica), são bens. Portanto, coisa é gênero, enquanto bens é
espécie.
No direito de família a expressão
bem comum assume um significado particular: indica todas as coisas com valor
econômico que, integrando o patrimônio comum, se sujeitam à partilha no caso de
dissolução do casamento ou da união estável.
No regime da comunhão universal,
cuja adoção exige pacto antenupcial, são comuns todos os bens já pertencentes
aos cônjuges no ato da celebração, assim como aqueles adquiridos na constância
do casamento (art. 1.667 do CC). Os cônjuges podem excluir bens da comunhão
universal, desde que essa exclusão se faça no pacto antenupcial. Não há
impedimento para essa exclusão se os cônjuges têm liberdade para escolher o
regime de bens que será adotado no casamento. Admite a doutrina que os
nubentes, no exercício da autonomia privada, possam combinar regras de regimes
diferentes e estabelecer um estatuto patrimonial próprio, desde que não atentem
contra as disposições legais de ordem pública.
Os bens recebidos em doação por
qualquer um dos cônjuges entram na comunhão, mas estão fora do patrimônio comum
aqueles recebidos por um dos cônjuges com cláusula expressa de
incomunicabilidade, assim como os bens sub-rogados em seu lugar, ou seja, os
que foram adquiridos com o produto da alienação dos incomunicáveis. Ocorre
sub-rogação parcial quando o bem for adquirido apenas em parte com o resultado
da alienação do bem incomunicável. Nesse caso, somente uma parte desse bem
torna-se comum, porque adquirida com os recursos de ambos os cônjuges. Haverá,
portanto, uma parte comum e outra particular sobre o mesmo bem. Essa situação
não é rara, porque durante o casamento os cônjuges podem somar capital
particular para aquisição de novos bens. Para prevenir litígio, recomenda-se
que se anote essa circunstância nas escrituras e documentos de aquisição de
bens.
A herança ou legado recebidos por
qualquer um dos cônjuges, no regime de comunhão universal, também integram o
patrimônio comum, salvo se gravados em testamento com cláusula de
incomunicabilidade. Os bens incomunicáveis são chamados bens particulares,
porque pertencem a um dos cônjuges exclusivamente e por esse motivo não serão
partilhados na dissolução do casamento. Verifica-se, portanto, que mesmo no
regime da comunhão universal poderá ocorrer a exclusão de determinados bens do
patrimônio comum por força da lei, da vontade dos nubentes ou de terceiros
(doadores e testadores).
A incomunicabilidade dos bens não
se estende aos frutos (alugueis, juros, rendimentos etc.), quando se
percebam ou vençam durante o casamento (art. 1.669 do CC). Os frutos produzidos
pelos bens particulares entram para o patrimônio comum. É uma regra do direito
brasileiro nem sempre lembrada e está justificada pelo fato de que esses frutos
foram adquiridos na constância do casamento. Nada impede que os nubentes
também excluam da comunhão os frutos desses bens particulares mediante cláusula
no pacto antenupcial.
No regime da comunhão parcial de
bens, aplicado ao casamento que não foi precedido de pacto antenupcial com
indicação de outro regime, ou quando nulo aquele escolhido, também aplicado no
que couber à união estável quando ausente contrato escrito, comunicam-se os
bens que sobrevierem ao casal na constância do casamento (art. 1.658 do CC).
Esse regime passou a ser o regime legal e supletivo a partir da Lei do Divórcio
(lei 6.515/77), porque até então o Código Civil estabelecia o regime da
comunhão universal de bens para os casamentos realizados sem pacto antenupcial.
Ocorre nesse regime uma separação para os bens presentes e comunhão para os bens
futuros. Os bens que cada cônjuge possuir ao casar e aqueles adquiridos por
doação ou sucessão constituem bens particulares, assim como são particulares
aqueles sub-rogados em seu lugar e os adquiridos com valores exclusivamente
pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos particulares.
Também não está sujeita à
comunicação no regime da comunhão parcial, independentemente de cláusula
expressa de incomunicabilidade, as doações feitas em favor de um dos cônjuges e
a herança ou legado recebidos, salvo quando contemplados conjuntamente pelo
doador ou testador. Também não está sujeita à comunicação a aquisição de bens
que tiver por título uma causa anterior ao casamento (art. 1.661 do CC). É o
caso, por exemplo, da aquisição feita pelo cônjuge com dinheiro que recebeu
após o casamento, mas em pagamento de dívida anterior, ou com o dinheiro que
recebeu em ação judicial iniciada antes das núpcias. Esse regime é
caracterizado pela comunhão dos aquestos, que são bens adquiridos com esforço
comum na constância do casamento, enquanto permanecem no patrimônio de cada
cônjuge aqueles trazidos para a sociedade conjugal. São comuns também os bens
adquiridos na constância do casamento por fato eventual, como ocorre com os
prêmios em geral recebidos por qualquer um dos cônjuges (art. 1.660, II, do
CC).
No regime da comunhão parcial de
bens, os móveis são presumidamente adquiridos na constância do casamento e
considerados bens comuns, incumbindo ao cônjuge a prova em sentido contrário
(art. 1.662 do CC). Se existirem bens móveis de valor, que o nubente quer
conservar como particular, recomenda-se, para prevenir litígio, que faça
documento escrito (não há forma prevista em lei) para registrar o fato de que
existiam antes do casamento.
Em ambos os regimes de comunhão
(universal e parcial) são incomunicáveis, por expressa disposição legal, os
bens de uso pessoal, livros e instrumentos da profissão, os proventos do
trabalho pessoal de cada cônjuge e as pensões e outros rendimentos semelhantes.
A doutrina, contudo, afirma que os frutos do trabalho dos cônjuges não podem
ser considerados incomunicáveis, porque transmudaria o regime para o da
separação total de bens. Quando os proventos do trabalho do cônjuge se
convertem em patrimônio, com a aquisição de bens ou a constituição de reserva
em dinheiro, devem entrar para a comunhão, porque esse patrimônio já não tem a
natureza de origem (proventos do trabalho), sob pena de solução injusta na
partilha de bens do casal.
Com o Estatuto da Mulher Casada
(lei 4.121/62) instituiu-se a incomunicabilidade dos bens adquiridos pela
mulher casada com o fruto do seu trabalho. Esses bens eram chamados bens
reservados. A incomunicabilidade dos bens reservados da mulher manteve-se em
vigor até a Constituição Federal de 1988, que estabeleceu a igualdade absoluta
entre o homem e a mulher no casamento; consequentemente excluiu a causa que
justificava o privilégio da mulher casada, já contestado por boa parte da
doutrina antes da mudança constitucional. Os bens reservados da mulher são bens
particulares e excluídos da comunhão. Embora incompatíveis com a Constituição
atual, não se afasta a possibilidade da existência ainda remanescente no
patrimônio dos cônjuges, se adquiridos na vigência do referido estatuto, em
respeito ao direito adquirido.
São particulares também os bens
recebidos por doação ao nubente, mesmo no regime da comunhão universal de bens,
desde que gravada a doação com cláusula de incomunicabilidade. Ausente essa
cláusula, o regime da comunhão universal adotado anula os efeitos da doação, porquanto
todo o patrimônio existente ao tempo do casamento se transforma em patrimônio
comum. É preciso lembrar que as doações, heranças e legados gravados com
inalienabilidade importam igualmente na incomunicabilidade e impenhorabilidade
dos bens. Esse antigo entendimento está sumulado pelo STF (Sum. 49) e acolhido
pelo art. 1.911 do Código Civil.
É bem particular também a meação
que o cônjuge excluiu judicialmente da penhora por dívida que não aproveitou ao
casal. Essa meação constitui, portanto, bem particular do cônjuge, de forma
que, dissolvido o casamento, não haverá partilha sobre esse bem.
No regime da participação final nos
aquestos, introduzido no direito brasileiro pelo Código Civil de 2002, os bens
adquiridos conjuntamente pelos cônjuges durante o casamento são comuns. Nesse
regime os bens adquiridos em nome exclusivo de um dos cônjuges, na vigência do
casamento, ensejam apenas a compensação e não se sujeitam à partilha.
De acordo com a moderna doutrina e
jurisprudência predominante, extingue-se o regime de bens a partir da separação
de fato dos cônjuges, que marca o fim da sociedade conjugal. A partir de então
cessa a comunicabilidade do patrimônio e nesse momento será determinado o
acervo patrimonial a ser partilhado.
Os bens comuns estão sujeitos a uma
comunhão ou mancomunhão (propriedade a duas mãos ou de mão comum, dos alemães -
gemeinschaft zur gesamten hand), que se assemelha ao condomínio, porém não
corresponde exatamente à mesma situação jurídica. Na comunhão existe um
patrimônio único pertencente a mais de um titular, mas que constituem uma
pessoa única. Não há cotas na comunhão. É uma espécie de titularidade de mãos
juntas. Por conseguinte, não pode o cônjuge no estado de comunhão patrimonial
alienar a sua parte a terceiro, porque ele não detém a titularidade de uma
parte. A comunhão recai sobre um patrimônio (conjunto de bens) e não sobre
coisas determinadas. A administração e a colheita dos frutos ocorrem em
comum.
No condomínio, ao contrário, existe
uma coisa (certa e individualizada) e sobre ela mais de um titular exercem
direitos próprios enquanto indivisa. É a titularidade por cotas. Enquanto no
condomínio se atribui uma fração da coisa a cada condômino, na comunhão não há
divisão da coisa em partes ideais, porque o patrimônio (considerado como
universalidade) representa um bem ou conjunto unitário de bens.
O condômino que tem a posse
exclusiva do bem responde ao outro pelos frutos percebidos (art. 1.319 do CC).
Essa obrigação impõe ao condômino que tira proveito exclusivo do bem pagar ao
outro a compensação respectiva, fixada em geral pelo valor de um aluguel.
Quando ocorre a dissolução do casamento e a consequente partilha de bens, é
comum o ajuizamento de ação de arbitramento de aluguel para exigir do cônjuge
que permaneceu na posse exclusiva dos bens comuns o pagamento da parte
respectiva dos frutos percebidos. Acontece que, muitas vezes, a partilha demora
a ser julgada e enquanto o tempo passa um dos cônjuges mantém a posse e o
proveito exclusivos dos bens do casal ainda não partilhados. Nessa situação
encontram-se julgados que, ao reconhecer o estado de comunhão patrimonial,
negam a pretensão do cônjuge ao recebimento da compensação, uma vez que não se
pode identificar, antes da partilha, a qual dos cônjuges pertence este ou
aquele bem.
No entanto, a separação de fato do
casal, como inequívoco sinal de desfazimento da união e sociedade conjugal,
importa desde logo na produção de efeitos pessoais e patrimoniais. Para evitar
o enriquecimento indevido nessa situação, há decisões judiciais acertadas no
sentido de que, uma vez consolidada a separação de fato do casal, deixa de
existir a comunhão, que dá lugar ao condomínio, ou seja, à propriedade comum,
sujeita, consequentemente, à disposição do art. 1.319 do CC e ao pagamento de
indenização pelos frutos percebidos. Essa interpretação permite ao cônjuge
afastado da posse e proveito dos bens do casal exigir, mesmo antes da partilha
dos bens comuns, a parte que lhe cabe dos frutos percebidos pelo outro que se
mantém na sua posse exclusiva, calculando-se a compensação pelo valor
correspondente ao aluguel. Essa compensação só é devida se o uso exclusivo do
imóvel não representa parcela da prestação de alimentos (STJ, REsp 983.450/RS,
rel. Min. Nancy Andrighy, DJe 10/02/2010; REsp 1699013/DF, rel. Min. Luis
Felipe Salomão, DJe 04/06/2021).
Carlos Alberto Garbi: Pós-Doutor em
Ciências Jurídico Empresariais pela UC - Universidade de Coimbra. Mestre e
Doutor em Direito Civil pela PUC - Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Professor
de Direito Privado das FMU - Faculdades Metropolitanas Unidas. Vice-Presidente
do Conselho do INBRADIM. Membro Acadêmico-Associado da ABDC - Academia
Brasileira de Direito Civil. Diretor Nacional de Publicações da ADFAS -
Associação de Direito de Famiília e das Sucessões. Advogado. Consultor.
Parecerista.
Fonte: Migalhas
Introdução
Recebi de um colega de estudos um alentado texto com propostas de redação para a reforma da Lei de Registros Públicos com o pedido de estudo e opinião jurídica.
Em vez de debruçar-me sobre o articulado da proposta, julguei ser oportuno, preliminarmente, traçar uma diretriz crítica a fim de iluminar os intrincados problemas que a iniciativa representa e sugerir um rumo sistemático às discussões.
Penso que estas singelas advertências devam merecer prudente reflexão antes do encaminhamento da proposta aos canais competentes do Governo Federal.
Notários e registradores - especialização e natureza
O princípio essencial que deve nortear a concepção da reforma legal da lei 6.015/1973 (LRP) é o seguinte: cada especialidade representa um núcleo autônomo e singular que deve ser mantido organicamente no corpo da lei.
O § 1º do artigo 1º da LRP nos revela um conjunto harmônico, embora diversificado, que dá coerência a todo o sistema. A parte geral da lei, dedicada ao conjunto de especialidades dos registros públicos, representa menos de 10% do total de 299 artigos do diploma. Os demais dispositivos são dedicados a cada especialidade, com delimitação orgânica de atribuições e de funcções de modo muito bem definido e particularizado.
Registro Civil das Pessoas Naturais, de Pessoas Jurídicas, de Títulos e Documentos e de Imóveis são especialidades que vêm experimentando ao longo dos anos um processo de progressiva singularização em tudo consentânea com as exigências do mercado e do desenvolvimento orgânico das próprias atividades.
No âmbito da ordem constitucional anterior à Carta de 1988, os oficiais de registro e os tabeliães compunham uma categoria singular na ordem judiciária - a de serventuários de justiça - reputados como serviços auxiliares da Justiça (§ 5º do art. 144 da Emenda 1 da CF/1969). Logo em seguida, por via da lei Federal 5.621, de 4/11/1070, respeitada a legislação federal, previu-se que a organização judiciária, a cargo dos Estados, compreenderia "a organização, classificação, disciplina e atribuições dos serviços auxiliares da Justiça, inclusive tabelionatos e ofícios de registros públicos" (inc. IV do art. 6º).
Os tribunais dos estados organizaram tais serviços, regulando as atividades do chamado foro extrajudicial. No estado de São Paulo, houve uma sucessão de atos normativos oriundos do próprio Tribunal de Justiça e do legislativo1.
Porém, a partir da Carta de 1988, os serviços notariais e registrais experimentaram uma mutação substancial em seu estatuto orgânico e passaram a ter regramento próprio (art. 236 da CF/1988 e lei 8.935/1994), conjunto que radicaliza e aprofunda a especialização das atividades arroladas no art. 5º da lei 8.935/1994.
A chamada Lei Orgânica dos Notários e Registradores (lei 8.935/1994) remarca, em várias passagens, a especificidade de cada "natureza", apontando para o processo de progressiva singularização de tais atividades em atenção à natureza de cada qual. A orientação se patenteia no disposto no artigo 26 da dita lei que reza não serem "acumuláveis" os serviços enumerados no art. 5º. O seu artigo 49 remata:
"Art. 49. Quando da primeira vacância da titularidade de serviço notarial ou de registro, será procedida a desacumulação, nos termos do art. 26".
Desacumulação por natureza - eis a regra. Definição da especialidade por sua natureza, o norte da organização da atividade.
Todavia, nos deparamos na proposta com ideias que representam uma marcha-a-ré na configuração da infraestrutura institucional das atividades notariais e registrais brasileiras. A criação de um Serviço Eletrônico de Registros Públicos (SERP) funde, numa única plataforma centralizada, atribuições que são próprias e indelegáveis de cada profissional em cada especialidade, gerando uma mixórdia que certamente provocará controvérsias e grandes dificuldades para consumar o que se tem chamado de "governança" do sistema registral.
O anteprojeto simplesmente desconsidera o que se desenvolveu ao longo de mais de uma centúria não só no âmbito do CNJ (mais recentemente), mas nos Tribunais de Justiça dos estados e Distrito Federal, descartando normas de serviços, provimentos, avisos, recomendações e resoluções que nos revelam a tessitura e organicidade do sistema.
A lei 11.977/2009 - o marco inicial
O artigo 1º da proposta incorre num erro lógico2-3. Reza que o objetivo do sistema será a "universalização das atividades dos Registros Públicos".
O que prevê o conjunto normativo sobre o qual a proposta se assenta - lei 11.977/2009 - é a universalização do acesso, não a "universalização das atividades". A interconexão das unidades representa a teleologia das reformas que adjuntaram o qualificativo "eletrônico" aos Registros Públicos na lei de 2009.
Não é a modalidade do suporte material utilizado para a prática dos atos de registro que há de conformar e moldar a própria atividade. As ferramentas eletrônicas são meios, não são fins. Ou por outra: a prestação de serviços em meios eletrônicos não deve chegar ao ponto de subverter a própria natureza dessas atividades, confundindo-as e malbaratando o acervo que representa, verdadeiramente, uma cultura jurídica que é patrimônio da sociedade brasileira.
A inconstitucionalidade latente
A confusão pode nos levar a graves questionamentos nos tribunais e no próprio STF. Ao prever que o SERP poderá promover "o registro público dos atos jurídicos [sic]", ou que o dito ente poderá expedir certidões e prestar informações, "inclusive de forma centralizada", ou ainda facultar "a visualização eletrônica dos atos transcritos, registrados ou averbados nas serventias dos Registros Públicos", ou o armazenamento de documentos eletrônicos "para dar suporte aos atos registrais" e toda uma série de outras disposições congêneres, tudo isso aponta, inequivocamente, para uma espécie de subdelegação à SERP de competências e funções que são próprias e indelegáveis de registradores públicos, com a consequente subversão do quadro institucional que define os chamados órgãos dos serviços notariais e de registro (art. 103-B da EC 45/2004).
Essa manobra brusca e dissonante afronta a tradição do direito brasileiro e subverte as regras bem assentadas no corpo legal e normativo. Tal iniciativa revela um elemento potencial que pode se chocar com a Constituição Federal que previu a delegação de tais atividades jurídicas (que são próprias do Estado) ao particular, pessoa natural habilitada em concurso público. O Estado não o fez a entidades, sejam elas criadas por lei ou instituídas pelos próprios registradores ou pelo mercado.
Calha lembrar aqui a linha que cinge as funções públicas de atividades jurídicas delegadas ao particular (art. 236 da CF/1988) e outras funções que podem ser exercidas por outros agentes pela via do conduto da concessão ou da permissão, nos termos do art. 175 da Carta de 1988. A ementa do aresto prolatado na ADI 2.4154 ilumina o contexto destas considerações. A respeito das atividades notariais e registrais, destaca o ministro:
I - Trata-se de atividades jurídicas que são próprias do Estado, porém exercidas por particulares mediante delegação. Exercidas ou traspassadas, mas não por conduto da concessão ou da permissão, normadas pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos.
II - A delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma forma, em cláusulas contratuais.
III - A sua delegação somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil, visto que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em tema de concessão ou permissão de serviço público.
IV - Para se tornar delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público de provas e títulos, e não por adjudicação em processo licitatório, regrado, este, pela Constituição como antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público.
V - Cuida-se ainda de atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Por órgãos do Poder Judiciário é que se marca a presença do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às relações interpartes, com esta conhecida diferença: o modo usual de atuação do Poder Judiciário se dá sob o signo da contenciosidade, enquanto o invariável modo de atuação das serventias extraforenses não adentra essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de direito.
VI - Enfim, as atividades notariais e de registro não se inscrevem no âmbito das remuneráveis por tarifa ou preço público, mas no círculo das que se pautam por uma tabela de emolumentos, jungidos estes a normas gerais que se editam por lei necessariamente federal.
Não é diverso o entendimento que se pode extrair de outro importante precedente do STF. A transfiguração das funções notariais e registrais, se consumadas as tentativas de concentração de atividades próprias em entes personalizados - como o é, em certa medida, o SERP -, pode-se dar ensanchas ao surgimento de um fenômeno de subdelegação de atividades próprias de notários e registradores, como tenho apontado em várias oportunidades5. Desloca-se sutilmente o eixo que permitiu ao STF definir a responsabilidade dos oficiais e tabeliães pelos atos próprios por eles praticados em caráter pessoal. Ou seja: até aqui, respeitadas as diretrizes constitucionais, os serviços notariais e de registro não se submeteriam à disciplina que rege as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Vejamos a ementa do acórdão do STF:
"Os serviços notariais e de registro, mercê de exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público (art. 236, CF/88), não se submetem à disciplina que rege as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. É que esta alternativa interpretativa, além de inobservar a sistemática da aplicabilidade das normas constitucionais, contraria a literalidade do texto da Carta da República, conforme a dicção do art. 37, § 6º, que se refere a 'pessoas jurídicas' prestadoras de serviços públicos, ao passo que notários e tabeliães respondem civilmente enquanto pessoas naturais delegatárias de serviço público, consoante disposto no art. 22 da lei 8.935/94".
"A própria constituição determina que "lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário" (art. 236, CRFB/88), não competindo a esta Corte realizar uma interpretação analógica e extensiva, a fim de equiparar o regime jurídico da responsabilidade civil de notários e registradores oficiais ao das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (art. 37, § 6º, CRFB/88)"[6].
Ou seja, não se pode modificar o espartilho no qual calham as atividades registrais e notariais sem o risco de, subvertendo-o, incorrer em inconstitucionalidade ou em pura subversão de seus alicerces.
Addendum
Como indicado anteriormente (nota 3) o projeto, tal e como o recebemos originalmente, modificou-se nos labirintos da administração pública. A nova redação, consubstanciada em minuta de medida provisória que esteve na iminência de ser baixada, em boa hora, e de forma prudente, foi adida. Estima-se que o Governo Federal terá recebido inúmeros pedidos de sobrestamento em virtude do fato de que a minuta não terá sido objeto de discussões aprofundadas envolvendo os principais atores - notários e registradores brasileiros.
Seja como for, os defeitos ali apontados em grande parte se mantiveram no corpo da nova minuta de medida provisória, razão pela qual mantemos, em linhas gerais, as críticas que à época dirigimos à iniciativa evidentemente precipitada.
O fato é que estamos diante de um impulso que se dirige a uma reengenharia de todo o sistema registral pátrio e que revela o potencial de subverter a natureza das atividades registrais em afronta não só à Constituição, mas a leis e normas que regem tais atividades há mais de um século.
Vamos reinventar a roda e mergulhar o sistema de segurança jurídica numa aventura insegura e imprevisível?
__________
1 Não é o caso de aprofundarmo-nos na legislação dos estados, bastando indicar brevemente os atos normativos do Estado de São Paulo: dec.-lei Complementar 3, de 27/8/1969 (Código Judiciário de SP); dec.-lei 159, de 28/10/1969; resolução 1/1971, do E. Tribunal de Justiça de SP; lei 2.177, de 23/7/1953; decreto 4.786, de 3/12/1930 (Regimento das Correições); decreto 5.129, de 27/3/1931 etc. Em todos esses diplomas a vinculação dos tabeliães e registradores aos Tribunais de Justiça se dará sob a qualificação de Serventuários de Justiça.
2 Art. 1º O Sistema Eletrônico dos Registro Públicos (SERP), de que trata o art. 37 da lei 11.977, de 7 de julho de 2009, tem como objetivo a universalização das atividades dos Registros Públicos e a adoção de governança corporativa das serventias.
3 Posteriormente, a 16/11/2021, uma nova versão da minuta circulou entre os registradores e o art. 1º já havia sido modificado. Mantenho as considerações por uma questão de registro histórico das várias mudanças experimentadas pelos projetos desenvolvidos no âmbito do governo federal.
4 ADI 2.415. Rel. min. Ayres Britto, j. 10/11/2011, p., DJE de 9/2/2012. Acesso aqui.
5 Brevitatis causa: JACOMINO. Sérgio. Subdelegação de funções e a floração de atividades para-registrais. São Paulo: Observatório do Registro, 2/11/2018. Acesso aqui.
6 RE 842.846 - Santa Catarina, j. 27/2/2019, Rel. Ministro LUIZ FUX.
*Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.
Fonte: Migalhas
Leia mais...O mundo digital cada vez mais está inserido no setor imobiliário provocado pelo uso de novas tecnologias que vão desde a utilização de criptoativos, que são ativos virtuais presentes exclusivamente em registros digitais, como tokens não fungíveis, os denominados NFTs.
Algumas incorporadoras passaram a aceitar criptomoeadas, exemplo mais comum de criptoativo, como pagamento de seus empreendimentos.
Primeiramente, é importante compreendermos que tokens podem ser tanto criptomoedas, a exemplo da bitcoin, como NFTs, que são registros de algo que é único em blockchain.
Portanto, NFT é uma espécie de certificado digital que tem por objetivo atestar a autenticidade de um arquivo. Em outras palavras, trata-se de um código de computador utilizado para assegurar que um determinado arquivo é único. E, nessa toada, em 1º de novembro deste ano o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul regulamentou a permuta de imóveis através do Provimento nº 038/2021 — CGJ [1], possibilitando a lavratura de escrituras públicas de permuta de bens imóveis em contrapartida de tokens e criptoativos e o consequente registro imobiliário, pelos Serviços Notariais e de Registro do Estado do Rio Grande do Sul, dessas operações.
De acordo com o provimento [2], somente poderão ser lavradas escrituras públicas de permuta de bens imóveis por criptoativos mediante a satisfação de quatro critérios cumulativos, a saber:
Ainda, há necessidade de comunicar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sempre que uma permuta for registrada nos termos do provimento, para fins de observância ao Provimento nº 88/2019 do Conselho Nacional de Justiça [4].
Esse provimento [5] é uma resposta à consulta realizada neste ano pela Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio Grande do Sul (Anoreg-RS) e do fórum de presidentes das entidades extrajudiciais gaúchas.
Na prática, através dos NFTs cria-se um código em blockchain com dados do imóvel, direitos e deveres de quem compra e vende ou faz permuta, formando-se, assim, os contratos inteligentes e possibilitando a lavratura de escrituras públicas de permuta de imóveis por token, desde que observados os requisitos acima referidos.
A desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak [6] destacou no documento que os criptoativos não representam direitos sobre o imóvel da permuta e que o valor declarado dos tokens necessita ter equivalência em relação à avaliação do imóvel permutado, refugando a doação disfarçada.
Dessa feita, a transação através de NFTs traduz a compra de um direito sobre o imóvel, tal como o direito de receber aluguel sobre o bem, mas não a compra do imóvel em si.
E é por essa razão que se faz de extrema relevância que o registro da transação em blockchain traduza exatamente a relação que se deu na prática, para que não haja dúvidas quanto ao conteúdo do registro, sob pena de não poder ser registrada em cartório.
A primeira compradora no Brasil que adquiriu um direito digital de receber o aluguel em percentual de 20% sobre um imóvel foi uma gaúcha de 82 anos, Lenita Ruschel, inaugurando, assim, uma nova fase de transações no meio imobiliário [7].
Referências bibliográficas
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 88/2019. Ministro Humberto Martins, Corregedor Nacional de Justiça. 03 fev. 2020. Disponível em:
https://www.anoreg.org.br/site/2019/10/01/provimento-no-88-2018-dispoe-sobre-procedimentos-extrajudiciais-no-combate-a-lavagem-de-dinheiro/. Acesso em: 05 dez. 2021.
LAMAS, João Pedro. Idosa de 82 anos usa NFT para comprar 20% de apartamento no RS; entenda como funciona o sistema. G1, 23 out. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/10/23/professora-de-82-anos-de-porto-alegre-compra-primeiro-apartamento-digitalizado-do-brasil.ghtml. Acesso em: 05 dez. 2021.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Provimento nº 038/2021 – CGJ. Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Corregedora Geral da Justiça, em 01/11/2021. Disponível em: https://www.colegioregistralrs.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Provimento-N%C2%BA-038-2021-CGJ-Regulamenta-a-lavratura-de-escrituras-p%C3%BAblicas-de-permuta-de-bens-im%C3%B3veis-com-contrapartida-de-tokens-criptoativos-e-registro-imobili%C3%A1rio.pdf. Acesso em: 28 nov. 2021.
[1] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Provimento nº 038/2021 — CGJ. Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Corregedora Geral da Justiça, em 01/11/2021. Disponível em: https://www.colegioregistralrs.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Provimento-N%C2%BA-038-2021-CGJ-Regulamenta-a-lavratura-de-escrituras-p%C3%BAblicas-de-permuta-de-bens-im%C3%B3veis-com-contrapartida-de-tokens-criptoativos-e-registro-imobili%C3%A1rio.pdf. Acesso em: 28 nov. 2021.
[2] Ibidem.
[3] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Provimento nº 038/2021 – CGJ. Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Corregedora Geral da Justiça, em 01/11/2021. Disponível em: https://www.colegioregistralrs.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Provimento-N%C2%BA-038-2021-CGJ-Regulamenta-a-lavratura-de-escrituras-p%C3%BAblicas-de-permuta-de-bens-im%C3%B3veis-com-contrapartida-de-tokens-criptoativos-e-registro-imobili%C3%A1rio.pdf. Acesso em: 28 nov. 2021.
[4] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 88/2019. Ministro Humberto Martins, Corregedor Nacional de Justiça. 03 fev. 2020. Disponível em: https://www.anoreg.org.br/site/2019/10/01/provimento-no-88-2018-dispoe-sobre-procedimentos-extrajudiciais-no-combate-a-lavagem-de-dinheiro/. Acesso em: 05 dez. 2021.
[5] Ibidem.
[6] RIO GRANDE DO SUL, loc. cit.
[7] LAMAS, João Pedro. Idosa de 82 anos usa NFT para comprar 20% de apartamento no RS; entenda como funciona o sistema. G1, 23 out. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/10/23/professora-de-82-anos-de-porto-alegre-compra-primeiro-apartamento-digitalizado-do-brasil.ghtml. Acesso em: 05 dez. 2021.
Martha Leal é advogada especialista em Privacidade e Proteção de Dados, Data Protection Expert pela Universidade de Maastricht, fellow do Instituto Nacional de Proteção de Dados (INPD) e sócia da JP Leal Advogados.
João Paulo Leal é advogado, especialista em Direito Imobiliário, professor da Faculdade de Direito da UFRGS e Conselheiro do Conjur/CBCI.
Fonte: Conjur
Leia mais...O Tribunal de Justiça elegeu na tarde desta segunda-feira (06/12) a nova administração para o biênio 2022/2023. A Desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira foi eleita Presidente, tendo o Desembargador Alberto Delgado Neto com 1º Vice, o Desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira como 2º Vice, e a Desembargadora Lizete Andreis Sebben na 3ª Vice. O Desembargador Giovanni Conti foi eleito Corregedor-Geral da Justiça.
A Desembargadora Iris, logo após a eleição, afirmou que está pronta para o desafio de administrar o Judiciário Gaúcho, sendo a primeira mulher a ocupar o cargo de Presidente. "Sabemos dos grandes desafios que teremos pela frente, mas estamos todos preparados para a Administração do TJRS, dando continuidade a vários projetos que foram implementados pela gestão do atual presidente, Desembargador Voltaire de Lima Moraes", disse ela. A Desembargadora destacou que o Plano de Carreira dos Servidores, sancionado pelo Governador Eduardo Leite, será implementado integralmente. A magistrada também afirmou que "teremos sempre o nosso olhar voltado para os magistrados, servidores e também aos nossos jurisdicionados, ao povo, que é nosso patrão, e estamos aqui trabalhando por ele".
O processo eleitoral ocorreu através de sistema de votação virtual desenvolvida pela DITIC do Tribunal de Justiça. 136 Desembargadores votaram. A Desembargadora Iris obteve 71 votos contra 63 do Desembargador Tasso Caubi Soares Delabary, além de 2 votos em branco. A posse da nova Administração ocorrerá na primeira semana de fevereiro de 2022.
O Presidente do TJRS, Desembargador Voltaire de Lima Moraes, disse que a eleição transcorreu dentro da normalidade, com duas chapas contendo colegas extremamente qualificados, tanto a eleita, presidida pela Desembargadora Iris, como a chapa que era liderada pelo Desembargador Tasso". O magistrado afirmou que "a Desembargadora Iris Helena, pelo seu perfil dentro do Poder Judiciário, terá todas as condições de fazer um bom trabalho, sendo que estamos deixando um bom legado para a próxima administração e esperamos, que acima de tudo, os jurisdicionados possam ser os grandes beneficiados da próxima gestão".
Fonte: TJRS
Leia mais...A
busca por documentos para morar no exterior cresceu 81% nos cartórios gaúchos.
Cerca de 41,9 mil pessoas solicitaram dupla cidadania ou visto para estudar em
outro país, aponta dados do Colégio Notarial do Brasil - Seção Rio Grande do
Sul (CNB/RS).
Leia
a matéria na íntegra: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/12/06/busca-por-documentos-para-morar-no-exterior-cresce-nos-cartorios-do-rs.ghtml
Assista
a reportagem: https://globoplay.globo.com/v/10104712/
Fonte: RBS TV
O sistema judiciário brasileiro, como se sabe, infelizmente é extremamente moroso e sobrecarregado. Os processos tramitam por longos anos, a pauta de audiências nas varas é lotada e a tão esperada sentença demora bastante tempo para ser proferida pelo juízo competente.
De acordo com o relatório mais recente do "Justiça em Números" do CNJ — o de 2021— [1], o tempo médio entre o ajuizamento de uma demanda de conhecimento na vara estadual (primeiro grau) até a prolação da sentença é de dois anos e cinco meses.
Projetar esse cenário no âmbito do Direito de Família nos permite inferir uma série de dificuldades causadas por essa morosidade às partes envolvidas no processo, como o longo tempo de espera para a concessão do divórcio ou decretação do fim de uma união estável.
Por consequência, nos últimos anos houve um expressivo movimento para a criação de leis que tornaram possível a utilização de meios extrajudiciais para a solução de questões do Direito de Família nas quais não há lide. A primeira delas foi a Lei nº 11.441/07, que permitiu a realização da separação e divórcio consensuais no cartório por meio de escritura pública, desde que observados alguns requisitos.
Além disso, a famosa PEC do Divórcio — a Emenda Constitucional nº 66/2010 — reconheceu o direito potestativo ao divórcio, ou seja, que esse é um direito direto e imotivado do possuidor, não admite contestações. Em outras palavras, para que haja o divórcio, basta que um dos cônjuges deseje pôr fim à relação e o outro nada poderá fazer além de aceitar.
Assim, atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro permite que, se observados os requisitos de ausência de filhos incapazes ou nascituros, presença de um advogado e consenso entre as partes, é possível a concessão do divórcio ou a decretação do fim da união estável por meio de escritura pública em cartório de registro civil. Um procedimento mais rápido e menos custoso.
Paralelamente a isso, no ano de 2019 alguns tribunais, como o de Pernambuco e o do Maranhão, visando a reduzir ainda mais a burocracia e privilegiar a autonomia das partes (como o direito potestativo ao divórcio), editaram provimentos que passaram a permitir a averbação do divórcio unilateral na via extrajudicial, o que até o momento era permitido tão somente na via judicial.
Em síntese, de acordo com o que previam os referidos provimentos, o cônjuge que desejasse se divorciar poderia fazer o requerimento no próprio cartório, acompanhado de advogado ou defensor público, o outro cônjuge seria apenas notificado e a averbação seria realizada, enquanto as demais questões (alimentos, guarda e outras tutelas) deveriam ser discutidas na via judicial.
Ocorre que o corregedor nacional de Justiça à época determinou a revogação dos provimentos e recomendou que os Tribunais de Justiça se abstivessem de editar atos nesse sentido, fato este que, com a devida vênia, vai de contrapartida ao amplo movimento doutrinário e jurisprudencial que visa à desburocratização nas demandas de família.
A fim de solucionar o impasse provocado pela revogação dos aludidos provimentos estaduais, foi proposto pelo Senado Federal o Projeto de Lei nº 3457/2019, que visa a acrescentar o artigo 733-A ao Código de Processo Civil e, com isso, permitir o divórcio unilateral extrajudicial nos casos em que inexistirem filhos incapazes ou nascituros.
De acordo com esse artigo, seria permitido em âmbito extrajudicial tão somente a averbação e a troca de nome do cônjuge para retomar o nome de solteiro, o que ocorreria cinco dias após a citação (pessoal ou editalícia) do outro cônjuge.
Em suma, esse é um procedimento rápido, simples e sem burocracia que facilitaria a solução pela via administrativa no cartório de registro de pessoas naturais, evitando o desgaste e a morosidade do Poder Judiciário, nos casos em que um dos cônjuges discorde do pedido de divórcio.
Desse modo, atualmente o ordenamento brasileiro permite tão somente o divórcio pela via administrativa nos casos em que houver o consenso de ambos os cônjuges, ausência de filhos incapazes ou nascituros e mediante a presença de advogado ou defensor público.
Com o crescente avanço dos atos que visam à desburocratização e ao desafogamento do Poder Judiciário, a esperança é que o projeto de lei ora mencionado seja aprovado e o divórcio unilateral na via administrativa, finalmente colocado em prática.
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[1] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/11/relatorio-justica-em-numeros2021-221121.pdf.
*Sarah Carolina Rodrigues de Mesquita é advogada especialista em Direito Processual Civil com atuação humanizada voltada para o Direito de Família.
Fonte: ConJur
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