Nos negócios imobiliários, é recorrente a
situação em que o promitente comprador, mesmo após cumprir integralmente todas
as obrigações contratuais — especialmente a quitação integral do preço ajustado
— enfrenta resistência injustificada do promitente vendedor em outorgar a
escritura definitiva de compra e venda, impedindo a transferência de domínio
perante o Oficial de Registro de Imóveis competente.
Tal resistência, quando não sanada de
forma célere, pode acarretar sérios prejuízos ao adquirente de boa-fé, como a
decretação de indisponibilidade do imóvel em razão de dívidas do promitente
vendedor, entre outros gravames, mesmo após a conclusão do negócio jurídico.
Isso ocorre, pois, não obstante o
cumprimento das obrigações contratuais por parte do promitente comprador, sem o
registro da transferência de domínio, o promitente vendedor, perante terceiros,
ainda permanece registrado como titular do bem em sua respectiva matrícula
imobiliária, possibilitando sua constrição por eventuais credores.
O artigo 1.245 e §1º do Código Civil é
claro ao dispor que “transfere-se entre vivos a propriedade mediante o
registro do título translativo no Registro de Imóveis”, isto é, enquanto
não registrado o título translativo, o promitente vendedor “continua a
ser havido como dono do imóvel”.
Diante dessa situação, a ação de
adjudicação compulsória surge como instrumento processual destinado a compelir
o promitente vendedor a outorgar a escritura definitiva ao promitente comprador
que tenha cumprido integralmente sua obrigação contratual, especialmente quanto
ao pagamento do preço, quando este se recusa ou se omite imotivadamente a
outorgá-la.
Em outras palavras, trata-se de substituto
judicial da vontade do vendedor, autorizando o registro da propriedade
diretamente com base na sentença, conforme previsão do artigo 1.418 do Código
Civil, in verbis:
“O promitente comprador, titular de
direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os
direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e
venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa,
requerer ao juiz a adjudicação do imóvel”
Nessa senda, vale acrescentar que a
jurisprudência dos tribunais superiores [1] já
se consolidou no sentido de ser desnecessário o registro no Cartório de
Registro de Imóveis do compromisso de compra e venda, para que o promitente
comprador adquira o direito real à aquisição do imóvel.
Na prática forense, por sua vez, em caso
de recusa injustificada do promitente vendedor, o adquirente de boa-fé, para
demonstrar o seu interesse de agir em eventual ação de adjudicação compulsória,
deve notificar extrajudicialmente o promitente vendedor, solicitando a imediata
outorga da escritura definitiva. Persistindo a recusa imotivada, terá interesse
para o ajuizamento da ação de adjudicação compulsória, que deverá ser instruída
com prova do adimplemento contratual e da tentativa de solução extrajudicial,
sem sucesso. Como exemplo:
“DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. ADJUDICAÇÃO
COMPULSÓRIA. Insurgência contra o reconhecimento do direito da autora em obter
a escritura definitiva do imóvel – Descabimento – Quitação – Prova – Alegações
que não são capazes de infirmar a documentação encartada aos autos – Sentença
mantida – Ratificação dos fundamentos do “decisum” – Aplicação do art. 252 do
RITJSP/2009 – Recurso improvido. I. Caso em Exame Ação de adjudicação
compulsória de imóvel decorrente de compromisso de compra e venda entre as
partes. A sentença julgou procedente a ação, comprovando a quitação do preço e
a aquisição dos direitos pela autora. II. Questão em Discussão 2. A questão em
discussão consiste em verificar a procedência da recusa na outorga da escritura
definitiva do imóvel, alegada como injustificada pela autora. III. Razões de
Decidir 3. Comprovada a quitação integral do preço e a aquisição dos
direitos decorrentes do compromisso de compra e venda. 4. Os requeridos não
apresentaram provas de inadimplemento, limitando-se a impugnação genérica. A
recusa na outorga da escritura foi considerada injustificada. IV.
Dispositivo e Tese 5. Recurso improvido. Tese de julgamento: 1. A quitação
integral do preço e a aquisição dos direitos pela autora justifica a
procedência da ação de adjudicação compulsória. 2. A recusa injustificada na
outorga da escritura definitiva do imóvel não se sustenta sem provas concretas
de inadimplemento. Legislação Citada: Código Civil, art. 493 Decreto-lei n.º
58/37, art. 14, § 1.º Jurisprudência Citada: Informação não fornecida no
conteúdo.” (TJ-SP; Apelação Cível 1004359-14.2024.8.26.0073; relator (a):
Alvaro Passos; órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de Avaré – 1ª
Vara Cível; Data do Julgamento: 17/06/2025; data de registro: 17/06/2025)
Indisponibilidade averbada na matrícula
Esclarecida essa questão, há de se
considerar, também, a hipótese em que o promitente comprador se depara com
averbações de indisponibilidades na matrícula do imóvel — supervenientes à
quitação integral do negócio jurídico.
Nesse caso, embora tais restrições não
constituam impedimento ao exercício da ação adjudicatória, inviabilizam o
registro da respectiva sentença perante o Oficial de Registro de Imóveis, até
que sejam devidamente canceladas. É o que ensina a jurisprudência do egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
“APELAÇÃO CÍVEL. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA.
FATO NOVO (REGISTRO DO IMÓVEL EM NOME DA RÉ APÓS A SENTENÇA). COMPROVAÇÃO.
CONSIDERAÇÃO. NECESSIDADE. ART. 493, CPC.INCIDÊNCIA. INSTRUMENTO DE COMPRA E
VENDA ENTRE ASPARTES. EXISTÊNCIA. QUITAÇÃO DO PREÇO. INCONTROVERSIA.
ADJUDICAÇÃO DO IMÓVEL. DIREITO DOS AUTORES. INDISPONIBILIDADE DO BEM QUE, NA
HIPÓTESE, NÃO ALCANÇA A PARTE COMPRADORA. OBRIGAÇÃO ANTERIOR E TOTALMENTE
QUITADA. PREVALÊNCIA DA ALIENAÇÃO EM RELAÇÃO ÀRESTRIÇÃO. PRECEDENTES. COMINAÇÃO
DE OBRIGAÇÃO DEFAZER (OUTORGA DE ESCRITURA) SOB PENA MULTA. DESNECESSIDADE.
SENTENÇA CONSTITUTIVA QUE PRODUZ OS EFEITOS DA DECLARAÇÃO NÃO EMITIDA. ART.
501, CPC. APLICAÇÃO. PRECEDENTES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Se, após a
sentença, sobrevier algum fato capaz de influir no julgamento do mérito, é
necessária sua consideração na análise da apelação interposta. 2. As
indisponibilidades averbadas na matrícula do imóvel não alcançam a parte
compradora, por serem supervenientes à quitação do preço do bem, de tal modo
que não impedem a adjudicação compulsória, impondo-se o decreto de prevalência
da alienação (título aquisitivo) em relação à restrição. 3. Na ação que tenha
por objeto a emissão de declaração de vontade, a decisão que julgar procedente
o pedido, uma vez transitada em julgado, produz todos os efeitos da declaração
não emitida.” (TJ-SP; Apelação Cível 1000681-93.2023.8.26.0309; relator (a):
Maria do Carmo Honorio; órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de
Jundiaí – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/03/2025; data de registro:
23/03/2025)
“Agravo de instrumento. Ação de
adjudicação compulsória. Devolução do título pelo Registro Imobiliário em
razão da existência de indisponibilidade do bem registrada por vários juízos,
bem como penhoras incidentes sobre o imóvel. Matéria que extrapola o âmbito da
adjudicação compulsória, não cabendo ao juízo a quo determinar cancelamento das
restrições e a prevalência do registro da sentença da adjudicação. Interessado
que deve reclamar junto aos juízos que promoveram a indisponibilidade e penhora
a liberação do bem. Inexistência de alienação judicial a justificar aplicação
do item 413 das NSCGJ e art. 16 do Provimento nº 39/2014 do CNJ. Recurso
desprovido.” (TJ-SP; Agravo de Instrumento 2108529-79.2023.8.26.0000; relator
(a): Enéas Costa Garcia; órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de
Peruíbe – 2ª Vara; data do julgamento: 16/06/2023; data de registro:
16/06/2023)
Nessa mesma linha de raciocínio, o artigo
14, §1º, do Provimento CNJ nº 39/2014, dispõe que a existência de
indisponibilidade na matrícula imobiliária, impede a prática de atos que
impliquem transmissão da propriedade. Confira-se:
“Art. 14. Os registradores de imóveis e
tabeliães de notas, antes da prática de qualquer ato notarial ou registral que
tenha por objeto bens imóveis ou direitos a eles relativos, exceto lavratura de
testamento, deverão promover prévia consulta à base de dados da Central
Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, consignando no ato notarial o
resultado da pesquisa e o respectivo código gerado (hash), dispensado o
arquivamento do resultado da pesquisa em meio físico ou digital.
§1º. A existência de comunicação de
indisponibilidade não impede a lavratura de escritura pública representativa de
negócio jurídico tendo por objeto a propriedade ou outro direito real sobre
imóvel de que seja titular a pessoa atingida pela restrição, nessa incluída a
escritura pública de procuração, devendo constar na escritura pública, porém,
que as partes do negócio jurídico foram expressamente comunicadas da existência
da ordem de indisponibilidade que poderá ter como consequência a
impossibilidade de registro do direito no Registro de Imóveis, enquanto vigente
a restrição.”
Isso significa que, apesar da prevalência
da alienação (título aquisitivo) em relação às indisponibilidades, não compete
ao juízo que concedeu a adjudicação compulsória, cancelar ou desconstituir as
averbações de indisponibilidade oriundas de outros processos, sob pena de
violação aos direitos dos respectivos credores, que não integraram a lide.
Portanto, nessa hipótese, além da
necessidade de ajuizamento da ação de adjudicação compulsória, o adquirente de
boa-fé, com o objetivo de registrar o título e transferir o domínio do bem,
deverá demandar em cada um dos processos nos quais foram decretadas as
indisponibilidades, a fim de que sejam canceladas — muitas vezes por meio dos
chamados embargos de terceiro, sendo notória a insegurança jurídica enfrentada
pelo promitente comprador, sobretudo em razão da multiplicidade de ações
paralelas, da morosidade do Poder Judiciário e da possibilidade de resistência
por parte de terceiros interessados.
Conclui-se, assim, que a adjudicação
compulsória permanece como instrumento processual essencial à efetivação do
direito à propriedade do promitente comprador que tenha cumprido integralmente
suas obrigações contratuais. No entanto, a existência de indisponibilidades
supervenientes à quitação do negócio jurídico, embora não impeça o
reconhecimento judicial do direito à adjudicação, impõe obstáculos relevantes à
sua eficácia registral, exigindo atuação paralela e específica perante os
juízos que determinaram tais restrições.
Esse cenário revela não apenas a
complexidade prática da adjudicação compulsória em casos de existência de
indisponibilidades averbadas na matrícula do bem a ser adjudicado, mas também a
necessidade de atuação preventiva e diligente na concretização dos negócios
imobiliários, com vistas à mitigação de riscos e à preservação da segurança
jurídica.
[1] A
Súmula nº 239 do Superior Tribunal de Justiça baliza que “o direito à
adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra
e venda no cartório de imóveis”
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Fonte: Conjur